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Crianças artistas: vocação ou vaidade dos pais?

Estou chegando hoje no Central da Música, grato pelo espaço confiado, cercado de gente mais jovem que eu, que bom, com o desejo de falar sobre música e comportamento com liberdade e responsabilidade. Não quero unicamente dizer o que penso. Quero propor temas para debate. Quero fazer novos amigos e inimigos. Quero pensar e despertar reflexão, falar e ouvir, questionar e encontrar respostas… nem eu mesmo sei o que sairá desta cachola, mas… vamos lá!


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Até minha mãe me avisou: – Não fale disto meu filho. Alguns pais não vão gostar. Ela foi a primeira a vestir a carapuça.


O que quero levantar aqui é o quanto uma criança deve ser direcionada para uma carreira musical antes de ter noção do que espera da vida. Pergunto. Será que a influência dos pais, ou a vaidade de alguns deles, não pode levar a criança a amadurecer rápido demais?


Será que Sandy e Júnior são felizes?


Alguns já vieram berrando comigo: claaro que são!


Espero sinceramente que sim.


Esta, creio eu, é uma exceção à regra. Sandy e Júnior são frutos de um ambiente familiar feliz e saudável repleto de música desde de antes de nascerem. A carreira da dupla seguiu seu fluxo natural e hoje não tem mais volta.


Porém, na grande maioria dos casos a tentativa de ser estrela não tem como resultado uma carreira feliz e promissora como a de Sandy e Júnior. A expectativa é frustrada e a criança leva esta frustração para toda a sua vida, sentindo-se incapaz e culpada.


Lembro – me de ter assistido, principalmente mães, levando seus filhos, recém saídos de seus ventres, à programas de calouros, concorrendo com adultos em uma disputa que quase sempre alguém já sabia o resultado antes de ser iniciada. Será que uma criança precisa passar por isto?


Ai que gracinha que o meu filho de quatro anos fica na TV!


E as suas amigas babando ao seu lado, loucas para fazer o mesmo com seus futuros rebentos.


Será que o ambiente artístico é saudável tão cedo? Eu até hoje me assusto com algumas coisas, e olha que eu não me assusto mais tão facilmente, que julgo serem demais para um adulto, quanto mais para uma criança que abandona as brincadeiras para entrar no palco ou em um estúdio.


A não ser que tudo isto, para ela, não passe de uma grande brincadeira de criança e que mais tarde tenha o direito de escolher o seu caminho mesmo que seja este.


O caráter vocacional é muito subjetivo. Acredito que nos casos de crianças criadas desde cedo em um ambiente onde a música faça parte do dia a dia a vocação talvez fique mais óbvia. Além disto, tudo é pura especulação. Mozart começou muito cedo, mas tinha um pai neurótico no seu calcanhar. Antes de completar seis anos de idade o prodígio já viajava pela Europa para se apresentar. Ninguém nem pode e nem vai criticar um pai como o de Mozart, pois presenteou a humanidade com um gênio. Mas como teria sido a história sem a presença deste pai? Será que Mozart teria sido músico?


Como um sinal intuitivo, tipo Paulo Coelho, sábado passado conheci o Rafael, cinco anos, e fiquei esperto para aprender mais com ele e sua mãe. O menino é de uma inteligência e de uma perspicácia incomuns. Fiquei pensando se nestes casos não seria legal para ele… Não demorei para perceber que o tio coruja estava nascendo em mim. É quase automático. Pensei nele participando de um programa de TV, vestido de terno e gravata, e acabei desistindo da idéia.


Hoje, as crianças estão cada vez mais precoces, fruto de uma sociedade globalizada, ficam perdidas com tanta informação, mesmo que os pais controlem e filtrem o que deva ou não ser visto.


Por fim, gostaria de esclarecer que não sou contrário ao ensino da música, que ao meu ver deve acontecer desde cedo. Desta forma, devidamente orientadas, as crianças vão saber que a música não se restringe ao que está na TV.

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