Como retomar o sucesso e a decepção do The Calling
A Fidelidade Alternativa desta quinzena vem dividida em duas partes. A primeira aborda as novas formas (estranhas) de se conseguir espaço na mídia, e a segunda coloca o dilema da banda The Calling, que foi praticamente resolvido com a passagem do grupo pelo Brasil. Sei que a coluna está extensa, mas se for o caso copie para o Word e a leia inteira com calma mais tarde.
Novas regras para retomar o sucesso
O mercado musical brasileiro, depois de sua consolidação nas últimas décadas, incorporou a característica de que chegar ao topo não é tão difícil, o duro é se manter lá em cima. Apesar de seus números continentais, nosso mercado, diferente de vários outros no mundo, não possui segmentos fortes, que sobrevivem de forma sólida mesmo estando à margem da moda do momento. Talvez porque o ritmo dominante roube uma parte muito significativa do público. Isso reforça a necessidade de se buscar sempre o topo do mercado geral, e uma forma de se manter, ou voltar, lá em cima é uma coisa extremamente valiosa.
Em tese, a maneira de alcançar o sucesso, mantê-lo ou retomá-lo, seria a dedicação a um trabalho sério, competente, com conteúdo, que individualmente se destacasse no meio da quantidade e conseguisse um espaço legal. Bom, como em um milhão de outras coisas, a teoria não funciona para o mercado musical. Como este tem dimensões bem grandes, fazendo circular muito dinheiro, os grandes executivos e marketeiros do meio têm ao longo dos anos se empenhado muito nessas questões de sucesso.
O primeiro e o segundo dilema – como alcançar o sucesso e como mantê-lo – são os mais difíceis de se prever. A lógica maior seria seguir a tendência que está dominando o mercado. Ou seja, se o Raimundos está estourado, vamos apostar numa banda que faça um rock pesado com bastantes palavrões (1° caso). Se o funk está na moda, vamos gravar um disco do É o Tchan fazendo o ritmo que tomou de assalto primeiro o Rio de Janeiro e depois o país (2° caso).
Agora, as chances dessas táticas darem certo não são garantidas. Definitivamente o É o Tchan não conseguiu manter o sucesso e nenhuma outra banda nova atingiu o nível do Raimundos no Brasil. Por outro lado, ninguém preveu que os Mamonas Assassinas seriam aquele sucesso todo, ou que os próprios Raimundos fossem, assim como muitos outros exemplos.
O terceiro dilema – como retomar o sucesso – é mais previsível, não mais fácil, mas sim mais garantido. Em 97, sem ninguém saber, surgiu uma tática que até pouco tempo se manteve infalível na retomada do sucesso. Essa tática nada mais é do que a gravação do programa Acústico MTV, e os Titãs foram os primeiros a darem essa característica ao programa.
Com o tempo os lançamentos foram se concretizando com êxitos garantidos e ganharam kits (CD, DVD, programa de TV), mas, como tudo que não é 100% verdadeiro, o formato se esgotou. Claro que o Acústico Kid Abelha, próxima investida da emissora, pode ser um sucesso total, mas as chances disso acontecer são bem menores do que se o projeto fosse executado três anos atrás. Os últimos programas não chegaram perto do resultado desejado.
Com o desgaste dessa tática, outra está se consolidando, também sem muitos perceberem. Esta também não foi planejada e mostra quão sarcástica pode ser a curiosidade das pessoas. Estou falando de uma exposição na mídia por formas antes não recomendadas pelos empresários do meio. Que a morte de um artista aquece suas vendas, seu “produto”, não é novidade pra ninguém, porém, que um acidente, ou ainda mais, que uma ligação com negócios completamente condenáveis pela civilização faz bem a uma carreira está se mostrando agora.
Dois exemplos que podem estar sendo pioneiros desse fenômeno é o atual caso dos Paralamas do Sucesso e alguns meses atrás do cantor Belo. A retomada de espaço na mídia pelos dois é clara, e se deu de forma distinta, mas com uma certa ligação pela imprevisibilidade. Os Paralamas por meio do trágico acidente com o líder Herbert Vianna, que vitimou sua esposa, e o pagodeiro pela descoberta de ligações do mesmo com o tráfico de drogas.
Não estou tratando aqui da qualidade dos artistas, mas sim das escolhas que a mídia faz para ceder espaço. Os Paralamas nunca representaram muito pra mim. Fora o fato deles terem ajudado a Legião Urbana a se firmar, e estarem tendo o apoio de uns tempos pra cá do guitarrista mais importante do rock nacional, Dado Vila-Lobos, a banda de Herbert Viana não tem a riqueza da Legião, nem a energia dos Inocentes.
Depois de um sucesso impulsionado pelo boom do rock nacional nos anos 80, os Paralamas nunca mais haviam feito muito barulho. Seus últimos discos passaram quase despercebidos pela grande mídia, mas agora a coisa está se mostrando diferente. Com o fator emocional causado pelo acidente, a banda vem ganhando um espaço que nunca tinha alcançado, nem com a gravação do Acústico MTV.
Quando o Fantástico abriu um espaço considerável para alguma banda do rock nacional? Quando que aqueles showszinhos especiais do programa foram de algum artista brasileiro? Pois sim, agora os Paralamas do Sucesso são presença constante na Rede Globo. E não para por aí. Duas importantes rádios paulistas apresentando especiais de duas horas de duração sobre os caras, entrevistas exclusivas, a música nova sendo lançada em alto escalão, a MTV fazendo uma semana Paralamas, especial no canal Multishow, ufa! Impossível não perceber que algo mudou para eles.
Aí eu pergunto: Qual o motivo? A banda está lançando algum material inovador, surpreendente, que vai mudar os rumos do rock? Não. A única explicação dessa alavanca dada na banda é o acidente sofrido por Herbert Viana e sua esposa.
O caso Belo também parte dessa questão. O cantor deixou seu grupo e entrou com o pé direito (em termos de vendagem, não qualidade) na carreira solo. Depois, o que é natural, deu uma sumida e perdeu aquele espaço anterior. De repente é noticiado por todos os meios de comunicação uma fita na qual o pagodeiro está numa conversa comprometedora com o traficante Vado. Após muito custo Belo vai preso, mas, claro, é solto um tempo depois. O que poderia se configurar como um inferno astral, e se estenderia para sua carreira, tem efeito contrário. O cantor é convidado a participar de programas de TV, seus discos sofrem um aquecimento de vendas, e o mais louco, seus shows vendem como água no deserto.
Confesso que fiquei impressionado quando no meio daquele fato que ganhou destaque em toda mídia eu vi na mesma semana dois lamb-lambs anunciando shows do cantor em lugares diferentes na zona Sul da Grande São Paulo. Não vou ficar aqui fazendo apologia contra pagodeiros, contra o Belo ou contra seus fãs, mas que sociedade é essa que esteriotipa rockeiro como drogado e vagabundo e aceita de braços abertos um elemento ligado ao pior mal do nosso país nos dias de hoje?
Esta é outra questão. O fato é que está evidente e vai tomando formas concretas o sucesso trazido por tragédias, escândalos e outras formas de exposição que até pouco tempo atrás não eram bem vistas por especialistas na imagem de pessoas da mídia. Fica agora a preocupação de até onde essas manobras podem ir quando a busca incessante pelo sucesso já possui níveis tão condenáveis.
The Calling: a aceitação do sucesso descartável
A linha que separa um artista pop de fazer um trabalho respeitável ou cair nas armadilhas do mercado é extremamente tênue. Me lembro de um comentário sobre o The Vines, última grande promessa do rock, em que se colocava a questão desta se tratar de uma ótima banda promissora ou apenas mais uma pré fabricada. Nem tudo é o que parece, e na área musical uma avaliação está mais envolvida em detalhes do que achamos.
O universo pop é traiçoeiro, cheio de armadilhas, enganos, mas entusiástico acima de tudo. Quantas vezes não nos pegamos ouvindo uma música sem ter a mínima idéia de sua procedência e ela perece ser uma das melhores coisas já gravadas. A tal música pode ser o primeiro single de sua futura banda preferida ou uma mudança bem planejada (nem por isso de qualidade) de alguma coisa que você sempre desprezou.
Começo este texto para introduzir o assunto The Calling. Eles entraram no nosso mercado arrepiando. “Wherever You Will Go” habita a primeira posição das rádios daqui há algum tempo. Ela entrou de cara na trilha de uma novela da Globo, o que é desprezível, mas também um termômetro para a conquista do mercado local. O clipe, bem produzido, é presença certa na MTV e as vendas do álbum “Camino Palmero”, primeiro da banda, atingiram 100 mil cópias por aqui, marca muito boa para um artista internacional atualmente.
Então foi marcada uma visita do grupo ao Brasil, o que não é normal para artistas internacionais – aportarem por aqui logo ao alcançar o sucesso. A apreciação da banda por uma vertente mais rock do nosso mercado, comprovada pelo primeiro lugar na Rádio 89, grande execução na Brasil 2000…, e também por um circuito mais pop e menos preocupado com qualidade deixava uma dúvida: seria o The Calling uma grande banda de rock vítima da aparência de seu vocalista (que involuntariamente criaria uma idolatração surda) ou apenas mais um grupo criado nos escritórios das grandes gravadoras para alcançar a maior abrangência de público possível?
Analisando o show da banda no Directv Music Hall e a passagem por nosso país concluo que eles estão muito mais próximos da segundo opção. Um fator crucial, e também perigoso, nessas avaliações pops é um mal da sociedade chamado preconceito. Apesar de uma faixa respeitável da crítica mundial condenar o The Calling, apesar do furor que a banda causa nas adolescentes fãs de Backstreet Boys e Zezé di Camargo e Luciano, apesar da postura não muito aconselhável dos caras, juro que eu cheguei no antigo Palace sem nenhum preconceito, com a maior boa vontade de ver um show. Mas logo no começo já parecia que o jogo estava decidido.
A histeria na entrada e o enorme número de adolescentes femininas na fila não me influenciaram, mas a entrada do vocalista Alex Band condenou. Primeiro aparece toda a banda, que começa a tocar a primeira música para, de repente, Alex chegar correndo, como se se tratasse de um superastro. O povo vai ao delírio, o rapaz está vestido numa jaqueta que mal cobre seu umbigo por cima de uma camiseta bem apertada e começa a acenar, fazer poses e tudo o que seria aconselhável para derreter os corações de adolescentes mal resolvidas.
Antes do show começar o ambiente me lembrou de outra apresentação, a dos ingleses do Bush, em 1997. As garotas histéricas estavam lá, os comentários quanto à aparência do vocalista também, é verdade que de maneira mais amena, mas o que diferencia e prova como crucial no problema é a atitude dos que estão em cima do palco. E Gavin Rossdale deu um show. Empunhou sua guitarra o show inteiro, tocou nos camarotes, fez uma palhinha (sensacional) solo e, mais importante, em nenhum momento fez menção a alguma coisa que não fosse sua música, sua produção cultural.
Já Alex foi o contrário. Se esforçou tanto para cultivar aquela idolatração descartável, presente na grande maioria do público, que, junto com sua banda, deixou muito a desejar em termos musicais. Será este fato suficiente para resolver o dilema entre uma boa banda ou um grupo pré-fabricado? Difícil dizer, mas na gravidade em que as coisas foram apresentadas semana passada no Directv acredito que não é aconselhável esperar coisas melhores do The Calling.