Coluna Tudo Velho: Tributo, é? Sei, não…
Quem costuma comprar CD nas Sendas ou nas Lojas Americanas já deve estar acostumado a ver aquelas cestonas cheias de CDs de uma tal “série tributo”, que inclui desde CDs homenageando Guns N Roses e Scorpions (tributo legalzinho, diga-se) até Michael Bolton e Madonna. Bom, no dia em que todos os “tributáveis” merecerem tributos e todas as versões de “homenagem” aos artistas prestarem… e realmente, será que o público comprador precisa de tanto tributo assim?
Essa febre de “tributos” e outras coisas do gênero começou nas grandes gravadoras – com a idéia-desculpa de homenagear artistas mortos ou bandas importantes – e foi se alastrando pelos selos pequenos e bandas idem. Agora é raro ver uma banda “grande” ou histórica do rock que nunca tenha recebido uma homenagem-presente-de-Grego dessas. Os Ramones, por exemplo, caminharam agora para o (que rufem os tambores) quarto tributo! Isso mesmo, já foram lançados quatro discos com um bando de gente explorando a obra do velho quarteto de Queens. Poucas foram as bandas que conseguiram chegar perto da energia do grupo, já que igualar é impossível – quase todo mundo que se meteu a gravar Ramones se meteu numa barafunda dos diabos, correndo o risco de vilipendiar aquilo que já é quase perfeito. O mais recente tributo, We re a happy family (Sony), tem a vantagem-desculpa de ter o aval de ninguém menos que Johnny Ramone. Sim, o próprio. Guitarrista dos Ramones em toda a existência da banda, Johnny é hoje um aposentado que se dedica ao melhor do DDD (deglute, defeca e dorme). O produtor do disco é Rob Zombie. O rockeiro-metaleiro comparece com sua própria versão de “Blitzkrieg bop”, que dá o tom do disco: é bem legal, mas não consegue reproduzir em nada a ferocidade do standard que abria o primeiro LP dos Ramones, uma banda que primava pela garra e pela espontaneidade com que tocava seus instrumentos. Justamente o que falta em várias faixas de We re a happy family.
Antes de mais nada, vamos ao legal: as bandas que se deram bem, de modo geral, foram as que não tentaram impregnar o som do grupo de idéias de jerico e ainda tentaram buscar a espontaneidade. O Kiss tocando “Do your remember rock and roll radio?”, por exemplo, é a melhor escolha que o pessoal que organizou a coletânea poderia fazer, sem sombra de dúvida. A versão do Metallica para “53rd and 3rd”, apesar de criticada por muita gente, é ótima porque soa como a hora do recreio da banda – sem contar que a música original dos Ramones era um hard rock anos 70, tudo a ver com a proposta do Metallica. Os Red Hot Chili Peppers conseguem fazer com “Havanna affair” (prudentemente escolhida para abrir o disco) o que quase ninguém conseguiria fazer, nem a porrada: levar o seu próprio estilo para uma música dos Ramones sem ferrar com a canção original. Os novatos do Rooney se dão bem com “Here today gone tomorrow” e até John Frusciante soa pelo menos original, numa versão gospel (!) de “Today your love, tomorrow the world” que guarda muito da energia sacana de Joey, Johhny, Marky e Dee Dee (e Tommy). Já Tom Waits sacaneia geral “The return of Jackie and Judy”, numa versão bebaça. Essas são as melhores faixas, sendo que só as três primeiras são realmente indispensáveis.
O Garbage até se dá bem com “I just wanna have something to do”. O Eddie Vedder, acompanhado de um tal de Zeke (?), até que não manda mal em “I believe in miracles” e na pouco conhecida “Daytime dilemma”. Dos Pretenders (com “Something to believe in”) e do Motorhead (com “Rockaway beach”) pode-se dizer, no mínimo, que foram escolhas conceitualmente corretas, assim como o Rancid em “Sheena is a punk rocker”. Agora, U2 tocando “Beat on the brat”, faça-me o favor: The Edge & cia acabaram com toda a espontaneidade da música. “Outsider”, com Green Day (versão até anterior ao disco, de 2001) e “I wanna be sedated”, com o Offspring, são apenas óbvias. Marilyn Manson transforma o rock n roll “The KKK took my baby away” numa marcha fúnebre horrível, podre, sem o menor sentido. Pete Yorn, cantor elogiado pelo próprio Johnny Ramone, entendeu que “I wanna be your boyfriend”, outro clássico do primeiro LP dos Ramones (que tinha Joey, Dee Dee e Johhny fazendo backing vocals totalmente bodeados), era apenas uma cançoneta de amor e se deu mal – muito mal, eu diria.
De modo geral, We re a happy family não é indispensável para ninguém. Quem já é fâ há tempos, vai acabar preferindo escutar mesmo é Gabba, gabba, hey, tributo lançado em 1991 só com bandas punk, que chegou a ser lançado no Brasil em edição piratésima, por um selo chamado Bullet. Nem sei se é fácil encontrar a obra dos Ramones nas lojas hoje em dia – os CDs da fase Sire, que trazem os maiores clássicos, chegaram a ser lançados aqui pela WEA na década de 90 – mas para entender os Ramones, só ouvindo no original, mesmo.
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A primeira vez que muita gente escutou falar de Di Melo deve ter sido numa matéria da BIZZ, há uns três anos, que falava sobre o samba-rock. Gênero que muita gente diz que nem existe, o samba-rock teve como seus expoentes artistas como Jorge Ben, Luiz Wagner, Carlos Dafé e até mesmo Tim Maia e Erasmo Carlos, em vários momentos das suas carreiras. Di Melo, bem menos famoso que seus companheiros de balanço, chegou onde vários deles nunca estiveram: no selo norte-americano Blue Note, que colocou em uma coletânea a faixa “A vida em seus métodos diz calma”. Afastado da música – ele trabalhou por vinte anos como marchand e só voltou a gravar em 1999 – Di Melo nunca teve o devido reconhecimento, talvez até por não ter se prendido em um só gênero e ter gravado coisas muito díspares. Seu LP de 1975, lançado originalmente pela Odeon, foi recentemente relançado pela EMI (sob os cuidados de Charles Gavin e Marcelo Fróes) e corre o risco de passar despercebido outra vez, devido a pouca atenção que geralmente se dá aos relançamentos.
Di Melo contém pelo menos seis faixas básicas para se entender o que é esse tal de samba-rock (e para se divertir com o balanço que esse gênero provoca): “A vida…”, “Kilariô” (um samba-soul com acento ska, que foi um dos poucos sucessos de Di Melo), “Aceito tudo” (espécie de samba-rock experimental, com uma longa letra sem refrão construída em cima de um metrônomo), “Pernalonga”, “Minha estrela” (aberta com uma guitarra phaser que é a cara da produção setentista de Jorge Ben) e o soul psicodélico de “Se o mundo acabasse em mel”. No disco do cara aparecem duas figurinhas não-listadas na contra-capa. Heraldo do Monte, violonista que colaborava com Tom Zé, toca em várias faixas e Hermeto Paschoal (o próprio) toca teclados e bandônion. O clima experimental de algumas músicas e as variações nos arranjos e nos ritmos (que inclui várias toadas e até um estranho tango, “Sementes”) talvez tenha afastado fãs, mas o estilo vocal de Di Melo, que chega a unir proto-raps, soul e maracatu e tinha muito da “pilantragem” de Wilson Simonal, não pode passar em branco. Vale a pena correr atrás desse disco, que já foi reeditado há algum tempo.
RICARDO SCHOTT, 28 anos, é jornalista, colabora com vários sites e edita o blog de música Discoteca Básica (www.discotecabasica.blogspot.com).