Coluna Tudo Velho: Magazine (o do Brasil)
É estranho verificar que num país que sempre privilegiou o bom humor – ainda mais quando ele vem acompanhado de música, como se pode notar no culto até hoje existente (embora silencioso) aos Mamonas Assassinas – músicas como “Sou boy” e “Tic-tic nervoso” tenham deixado de ser tocadas em rádios e de ser lembradas. Frutos da última geração de bandas reveladas em singles no Brasil, essas músicas pertencem à simplificada discografia do Magazine, uma banda de trajetória tão curta e grossa quanto as letras que gravava.
Pertencentes a uma tradição de artistas que se utilizavam do bom humor para passar suas mensagens – um seleto grupo que passa pela Jovem Guarda e desemboca em Raimundos e Mamonas, passando por Raul Seixas, João Penca, Mutantes e outros – Kid Vinil, Ted Gaz, Trinkão e Lu Stopa recentemente foram redescobertos graças ao relançamento de seu primeiro disco, “Magazine” (1983), pela WEA, com uma série de bonus tracks que saíram apenas em singles ou em discos separados.
A banda, com uma formação quase que totalmente modificada (entraram o guitarrista Carlos Nishimiya e o baixista Ayrton Mugnaini Junior), ainda gravou um novo CD, “Na honestidade”, que pode ser encontrado na loja virtual da gravadora Trama (www.trama.com.br), mas o que marcou foram mesmo as primeiras músicas da banda. Lançadas no exato momento em que o rock nacional começava a ganhar força e voz – a partir de letras bem escritas e de um mercado um pouco mais aberto para rock no rádio e na TV – elas traziam um bom humor e um retrato da realidade urbana que não eram de todo estranhos ao brasileiro médio… Afinal, pouca gente sacava isso, mas o Magazine era uma banda que descendia diretamente de um dos nomes mais importantes do rock nacional dos anos 70, o Joelho de Porco. Zé Rodrix e Tico Terpins, que tinham sido da banda numa de suas diferentes fases, haviam conhecido Kid quando ele trabalhava na antiga Continental. Mais ou menos nessa época, Kid trabalhava como radialista em São Paulo (apresentava um programa dedicado ao punk e à new wave, que teve curtíssima duração) e agitava o Verminose, grupo punkabilly que era sistematicamente recusado por todas as gravadoras graças ao nome. Quando o Verminose virou Magazine (homônimo, por sinal, de uma banda punk/new wave inglesa), passou a fazer um som que cruzava a energia dos anos 50 e da jovem guarda com a new wave – mais moderno impossível.
Uma curiosidade: não, Kid Vinil nunca foi office-boy, ao contrário do que muita gente pensa. O hit “Sou boy” nasceu quando Aguinaldo, um boy do estúdio de Rodrix e Terpins criou a letra – Tico Terpins enfiou Aguinaldo no estúdio e mandou a fita com o boy cantando para que a banda pudesse dar um acabamento. A música, numa versão mais new-wave que a original – que era mais para o rockabilly – tornou-se o primeiro compacto do Magazine, com mais uma contribuição de Rodrix & Terpins no lado B, “Kid Vinil”.
Kid, aliás, periga ser o cantor brasileiro com mais músicas compostas com seu nome no título: além dessa, o cara ainda teve “Kid Vinil”, uma homenagem/gozação/bobeira composta por Zeca Baleiro. “Sou boy”, aliás, é de rolar de rir até hoje: o sotaque quase macarrônico de Kid Vinil – lembrando uma Nair Belo macho – dá o tom de gozação eminentemente paulista que a música precisa. Numa época como a de hoje, em que, para o mercado, ou você é sisudo, indie ou um verdadeiro escroto (ou vira crente), o bom humor do Magazine é mais que bem vindo.
Graças à boa vendagem do compacto, em 1983, saía o disco “Magazine”. Apesar da imagem meio niu-uêive afetada da capa do LP, a primeira faixa já escancarava as verdadeiras intenções do grupo: “Adivinhão” era um rock composto por uma misteriosa figurinha da primeira geração do rock nacional, Baby Santiago, e gravado originalmente por George Freedman – acabou sendo outro grande sucesso para a banda, daqueles de tocar no Chacrinha. Entre versões feitas por Erasmo Carlos (que verteu para o português “The motorcycle man” de Smokey Robinson e um certo “Juventud twist”) e mais contribuições de Tico Terpins e Zé Rodrix (como a hilária “Casa da mãe” e a gozadora “Bilirrubina”, na qual nem mesmo a “Carolina” de Chico Buarque escapa da zoação), algumas músicas se destacam. “Pau na marginal”, composta por Luiz Otávio (& os Quatro Olhos) inclui mensagens subliminares sacanas – como May East, então vocalista da Gang 90, gritando “pau! pau!” no refrão.
“Tô sabendo”, outra de Rodrix & Terpins, é non-sense puro e poderia soar como uma gozação a “O que”, dos Titãs, se esta já tivesse sido lançada na época (a letra se resume a “eu sei que você sabe que eu não sei que você sabe que eu sei”). Mas a música mais curiosa do disco é mesmo a obscura versão que Kid Vinil & cia. fizeram para “Fuscão preto” – aquela mesma, do Almir Rogério. Campeã de vendas entre 1982 e 1983, a música recebeu uma versão meio new-wave da banda. Hoje em dia, aliás, é impossível ouvir a música sem lembrar de “Black people car”, a extrema gozação que Falcão fez com este hino brega.
Além de “Magazine”, o LP, e do novo CD, a discografia da banda ainda inclui algumas músicas extras, espalhadas em compactos e em coletâneas. “Tic tic nervoso”, o segundo grande hit do grupo, já foi produzido por Liminha e teve uma qualidade de gravação/produção melhor, mais orientada para rádio. “Tic tic…” ficou tão popular que chegou a ser versionada para uma vinheta de final de ano da Globo, em 1984 – com participação do própri Kid Vinil, aliás – mas também significou uma série de encrencas. A faixa acabou sendo gravada ao mesmo tempo pelo Magazine e por uma outra banda. Mesmo que a outra gravação não tenha feito sucesso, foi uma encheção de saco. No fim das contas, “Tic-tic…” tocou bastante no rádio – até demais, já que rola por aí uma história de que, de tanto tocar no rádio, o single com a música não vendeu nada (cerca de 20 mil cópias). O lado B do compacto vinha com a fraca “Atentado ao pudor”, que não chegou a lograr muito sucesso.
Ainda em 1984, o Magazine faria outra tentativa com a sacana “Glub glub no clube”, também lançada em single, com “Sapatos azuis”, versão para “Blue suede shoes”, no lado B – o sucesso mais uma vez veio. Mas o outro grande hit do grupo só aconteceria mesmo em 1985, quando a banda gravou “Comeu”, para a abertura da novela “A gata comeu”, da Globo. Pouca gente prestou atenção nisso, no meio da euforia da novela, mas “Comeu” foi composta por ninguém menos que Caetano Veloso – que aliás deu, quase ao mesmo tempo, a mesma música para o Magazine incluir na trilha da novela e para o cantor Erasmo Carlos gravar. A gravação de Erasmo, perdida no LP “Buraco negro”, ninguém ouviu. Já a do Magazine… tire suas próprias conclusões.
Bom, a trajetória da banda foi mais ou menos isso aí. E vire-se para achar alguma cópia de “Magazine”, que a WEA relançou (remasterizado por Charles Gavin) há alguns meses e já anda meio sumidinho. O disco novo você compra no site da Trama. Tchau!