Coluna Tudo Velho: Kleiton & Kledir
De uma hora para outra, a Universal resolveu soltar praticamente todo o seu catálogo antigo pra cima dos incautos consumidores. Realmente, quem curte música não tem tido bons motivos para ir até as lojas se for para comprar discos novos. Poucos CDs novos de artistas, bandas, etc, no Brasil ou lá fora, têm valido a pena. A solução talvez seja mesmo esperar o novo CD do Ultraje a Rigor, que deve estar ótimo – li algumas letras e gostei, tem até música dos Autoramas – ou sair comprando os CDs de séries de relançamentos que saem por aí a torto e a direito. Mesmo que os preços não colaborem – CDs da série Warner Arquivos, por exemplo, já podem ser adquiridos na loja mais próxima por um preço que varia de 22,00 a 25,00 reais.
Além da série Estréia – que vou abordar mais detalhadamente aqui depois – a Universal vem dando prosseguimento à série “Tudo” e lançou, recentemente, todos os CDs de Kleiton & Kledir que petrencem ao seu catálogo – além dos dois últimos dos Almôndegas, banda da qual os dois vieram. Com discos que há anos eram considerados raros em sua discografia, os dois irmãos de Pelotas influenciaram um leque enorme de gente que significa algo hoje em música – desde Engenheiros do Hawaii a Pato Fu, passando por Nenhum de Nós – e foram responsáveis por tirar todo e qualquer ranço que ainda poderia ter em relação à música brasileira praticada no Sul. Seus primeiros sucessos praticamente colocavam o Sul do Brasil num mapa pop que ainda era quase inexistente no Brasil.
Para quem não sabe – eu já conversei com os dois num camarim de show há milênios atrás, e eles falaram sobre isso – Kleiton & Kledir, e a banda da qual eles vieram, os Almôndegas, foram verdadeiros desbravadores. Os primeiros equipamentos que o grupo utilizava, por exemplo, eram preparados pelo pessoal que botava som nas igrejas de Pelotas e da capital gaúcha. Os primeiros valores da música brasileira vindos do Sul que fizeram sucesso no Sudeste nem ao menos eram associados à cultura gaúcha: gente como Lupiscínio Rodrigues e Elis Regina eram brasileiros antes de gaúchos, e não gaúchos antes de brasileiros. A não ser que levemos em conta gente como Teixeirinha, que mesmo tendo um público cativo, não atingia o pessoal mais elitista. Os Almôndegas começaram a conseguir isso quando “Canção da meia noite”, uma composição do integrante Zé Flávio, entrou na trilha da novela global “Saramandaia”, já com dois anos de atraso (a música é de 1974 e a novela é de 1976). Uma pena que a Continental não relance os dois primeiros discos do grupo.
Nos dois discos relançados, “Alhos com bugalhos” (1977) e “Circo de marionetes” (1978) o grupo faz um som predominantemente acústico, mas rockeiro – sendo que as duas músicas mais significativas dos dois lançamentos foram feitas por Kleiton ou por Kledir: “Alô buenas” e a engraçada “Androginismo” – para quem não sabe, Pelotas, terra natal do grupo, sempre teve aquela fama de… Bom, a mesma fama da qual Campinas sofre. Ao que consta, o grupo acabou sem maiores brigas e logo depois a dupla estava sozinha, em busca de um lugar ao sol.
Apesar dos Almôndegas terem feito seus últimos discos pela Philips, a dupla ressurgiu por outra gravadora, a Ariola – que numa dessas maquinações da indústria, hoje pertence à Philips. O primeiro disco sai em 1980 e entre músicas de Kleiton ou de Kledir, algumas se tornaram clássicas: “Fonte da saudade”, “A roda da fortuna” (virou tema de abertura de uma esquecida novela da Bandeirantes, “Cavalo Amarelo”, de Ivani Ribeiro), “Vira virou” (incluída na trilha de “Baila comigo”, da Globo) e a bem-humorada “Maria Fumaça”. Graças a essa música, que colocou a linguagem gaúcha na linhagem pop, a dupla estava toda semana no Globo de Ouro, aparecia em clipe no Fantástico, etc, etc e etc. Mas no segundo disco, que também levou o nome da dupla, é que estão as melhores músicas. Tem “Estrela estrela”, do irmão caçula Vitor Ramil (gravada por Gal Costa), a angustiada “Navega coração”, “Semeadura”, “Couvert artístico” e especialmente “Deu pra ti”. Usando uma gíria comum a Porto Alegre (houve até um vídeo sobre a cena musical de lá, chamado “Deu pra ti, anos 70″), a banda falava de lugares da noite gaúcha, de antigos amigos e até usava outras expressões do lugar, tudo sob uma base bem rock´n roll – num som bem parecido com o que os Engenheiros do Hawaii fariam entre 1986 e 1992. Só com esses dois discos, o lugar dos caras já estava garantido.
Daí pra diante, cada disco da banda teria pelo menos um hit para contar história. O de 1983 tornou-se clássico por trazer no encarte uma foto da dupla cantando quando eram crianças – essa foto, aliás, ficou anos perdida no arquivo da PolyGram até ser encontrada por uma pesquisadora, já nos anos 90 – e pelas músicas “Nem pensar”, “Tô que tô” (virou tema de “Sol de verão”, outra novela da Globo, na voz de Simone) e “Viva”, além da censurada “Analista de Bagé”. A música era tema da peça original de Luiz Fernando Veríssimo e trazia uma série de termos initelegíveis para quem não era do Sul. A solução foi encaixar no encarte um glossário (se bem que pelo conteúdo da letra estaria mais para os “grossários” de Falcão…). O de 1984 trouxe “Beijoqueiro”, feita para ele mesmo, o velho brizolista que gostava de beijar pessoas famosas. E o de 1986, feito após uma rápida separação musical, trouxe uma espécie de homenagem à dupla, “Tô a fim de ficar contigo”, com um sotaque bem mais pop.
Agora é só rezar bastante para que a Universal deixe os preços dos discos pelo menos em 17,90, como pode ser visto em algumas lojas virtuais. E, aproveitando, a Universal bem que poderia relançar os discos de Ritchie e de Celso Blues Boy, que nunca foram lançados em CD.
Ricardo Schott, 27 anos, escreve também no e-zine Ruídos (http://www.ruidos.com.br) e em outros lugares.