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Coluna Tudo Velho: Esse lance de maldito…

Na década de 70, bastava alguém fazer um trabalho tido como anti-comercial, anti-sistema, etc, que o rótulo “maldito” já vinha colocado ao lado do nome da figurinha. Gonzaguinha quase entrou nessa, Luiz Melodia entrou, Walter Franco também, Caetano & Gil tiveram sua pecha de maldição e vai por aí. Existem discos raríssimos de “malditos” (como a discografia inicial de Jards Macalé, que praticamente iniciou a dinastia com sua aparição num antigo festival da Globo) que nunca saíram em CD e que pertencem a uma discografia não-oficial na MPB e do pop/rock brazuca nessa época – e que foram fundamentais para que, por vias tortas, até mesmo o trabalho de bandas como Camisa de Venus, Mundo Livre S/A e Raimundos fosse mais aceito.


A Universal, na recém-lançada série Estréia, andou relançando uma série de discos fundamntais para se entender os descaminhos da nossa música: estão lá o primeiro disco de Eduardo Dusek (Olhar brasileiro), o primeiro de Rita Lee (Build up), o primeiro dos Mutantes, de Tim Maia, etc. Uma pena que não tenha sido possível para a gravadora reservar mais discos para distribuir à imprensa de modo geral. Um dos lançamentos que mais vale a pena enforcar, até pelo seu caráter de atualidade, é o primeiro LP do então escritor, filósofo e cantor bissexto Jorge Mautner. Jorge recentemente voltou ao disco e ao cast da Universal com “Eu não peço desculpa”, gravado ao lado de Caetano Veloso – responsável, aliás por este primeiro disco, tanto que o baiano assina o texto da contra-capa e compõe em parceria com Mautner – e sua primeira investida de peso no mercado fonográfico brasileiro está completando 30 anos. Antes Jorge tinha gravado um recolhido e obscuro single com a faixa “Radioatividade”, em 1965, que só ajudou a espalhar por aí a fama de polêmico, maldito, “comunista”, “terrorista”, etc.


Lançado logo após Mautner voltar do exterior, “Para iluminar a cidade” (é este o nome) soa como uma conspiração a favor. Jorge ficou amigo de Gil e Caetano no exílio londrino dos baianos, foi levado por Caetano e André Midani para a Philips e teve seu primeiro LP lançado sob os auspícios de Nelson Motta – agitador, na época, do selo Pirata, que (conforme conta o texto de Marcelo Fróes no informativo encarte no CD), lançava discos feito pela metade do preço. O som do disco realmente é algo curioso: gravado ao vivo no teatro carioca Opinião, “Para iluminar a cidade” tem quase todas as suas músicas terminadas com um “fade” rude, que corta as faixas no meio e ainda pega solos dos músicos e frases das letras. A platéia só se manifesta na irônica versão do tema folclórico “Sapo cururu” (isso mesmo, “Sapo cururu”) que fecha o LP e cujo verso “ah como é bonita/ a bandeira brasileira” provoca risos e palmas.


Com uma capacidade de construir melodias desconstruídas e letras irônicas tão grande quanto a de Tom Zé (tendo a vantagem que Jorge consegue, se quiser, soar pop e descompromissado), Mautner compõe músicas como o quase-maracatu-atômico “Super mulher”, o belo blues “Sheridan Square”… mas o grande destaque é mesmo a história em quadrinhos musicada “Quero ser locomotiva”. Foi um dos maiores sucessos de Mautner na época, chegando a ser gravada por Wanderléa (isso mesmo, Wanderléa) num dos discos que a cantora lançou pela Philips na década de 70 – era a época em que os artistas da jovem guarda tentavam pegar sua parte na linha evolutiva da MPB, sendo que nem todos arumaram espaço no panorama que viria depois.


No final do disco, Marcelo Fróes ainda resgatou duas músicas que Mautner só lançou em compacto (na verdade, duas marchinhas de carnaval, com destaque para a marota “Planeta dos macacos” – atenção para a entonação da voz de Mautner) e o “Rock da barata”, que tinha saído antes no volume 1 da série “Phono 73″ (relançada em CD e logo esquecida): um rock´n roll pesado, irônico, cantado quase aos berros, surpreendente para quem só conhece o hit “Maracatu atômico”. Pena que “Para iluminar a cidade” não chegou a fazer sucesso na época: foi estragado pela própria política de vendagem de discos, que não aceitaram o fato do LP ser vendido pela gravadora com um preço sugerido (a quantia vinha até impressa na capa original). E como a montagem de selos independentes dentro de grandes gravadoras ainda não era algo comum, a iniciativa naufragou.


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Colocar Jorge Mautner e Ritchie num mesmo texto, ainda mais se levado em conta que o título do texto fala sobre “malditos”, não é exagero. O inglês vem sendo tratado pelas gravadoras brasileiras como lixo desde que… Ah, deixa pra lá. Nunca ficou provado nada, esse papo é meio estranho, mas não deixa de ser curioso que Ritchie, com seu “Auto-fidelidade”, resolveu elevar o pop/rock nacional a níveis nunca vistos. Ritchie fez um disco de rock inglês dos anos 60 e 70 e de rock americano dos anos 50 no século XXI, no Brasil. Colocou-se ao lado de grandes nomes como Roy Orbison, Van Morrison, David Bowie, Ray Charles (dêem uma sacada no R&M nervoso “Sede de viver”) e outros. Até mesmo o pandeiro de Marcos Suzano entrou nessa mistura.


O som do disco do cara é a coisa mais chique que já se viu em termos de rock nacional, nos últimos anos. As harmonias e até mesmo as letras encontraram uma serenidade e uma maturidade nunca vistas por aqui, sem sacanagem. Tudo bem que é difícil ser fã e resenhar o disco de alguém ao mesmo tempo, mas comparem o disco de Ritchie às produções que andaram saindo nos anos 90, pelo menos, para ter uma idéia. Destaque para “Onde que eu errei?”, composta em parceria com Erasmo Carlos, “Auto-fidelidade”, “Jardins de guerra”… isso sem falar no hit “Lágrimas demais”, já rolando nas rádios. Mas legal mesmo seria que a discografia toda do cara baixasse nas lojas. Rola uma fofoca de que a DeckDisc vai comprar todos os discos dele e relançar, será verdade?


O jeito é esperar… Ah, a EMI  se saiu com a série “100 anos de Odeon”. Calma que logo logo isso vai pintar por aqui também…

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