Coluna Magirus: Melodia é tudo
Sempre que me perguntam sobre os meus planos para o Carnaval, a minha resposta é a mesma: “se não pode vencê-los, junte-se a eles.” Este ano as coisas serão bem diferentes e, provavelmente, melhores. Não sei quanto a você, mas esta baixaria que anda tomando conta da música popular brasileira já me enjoou, após diversas tentativas de tolerância — algumas até bem sucedidas. Enfim, resolvi que me afastaria da tradicional festa para fazer coisas mais produtivas, como terminar a leitura de um livro, adiantar projetos, compôr para a minha banda… Enfim, dei um tempo. As minhas festas rolaram durante as férias de verão que, para mim, estão no fim. Como diz a minha tia: “cada um, cada um.” Neste Carnaval minha rotina foi produtiva e saudável, já que purifiquei meus ouvidos com a música que realmente me cativa, e essa sim possui o que anda faltando no cenário de hoje: melodia. Afinal de contas, onde ela anda?
O Brasil é um país enorme, com influências da cultura africana em quase todo seu território, o que signifca que possuímos um talento natural para a distinção de ritmos. Na nossa pátria, os elementos percussivos funcionam como corações que palpitam para garantir a energia de um povo que vive a crise e, muitas vezes, nem sabe. Como seria bacana poder ouvir um som rico em ritmo e, ao mesmo tempo, robusto em melodia. A robustez de que falo não está relacionada à complexidade de uma composição, bem pelo contrário. Falo da sutileza das notas, do sentimento que elas transmitem quando combinadas em seqüência. A música não é música sem melodia. Confesso que fiquei maravilhado com o último álbum da Ivete Sangalo. É um trabalho muito bem feito, composições que conseguiram juntar esses elementos básicos. E olha que nunca fui de apreciar o som dela.
A gratuidade das músicas de hoje nos deixam em dúvida sobre os rumos da indústria e da arte, visto que os dois andam em sentidos cada vez mais opostos. Eu sempre tenho esperanças de que isso venha a mudar, pois temos gênios que ainda estão vivos e só necessitam de uma pequena força para atingirem os ouvidos do povão novamente. Existem, também, os novatos notáveis, que estão deslanchando no mainstream fazendo som de qualidade — vide a grande ganhadora da última cerimônia de entrega dos prêmios Grammy, Norah Jones.
Como o próprio Michael Jackson afirmou recentemente no polêmico programa “Living With Michael Jackson”, as composições não deveriam ser escritas, se deveria, sim, deixá-las escreverem-se sozinhas. O que ele quis dizer com isso é que o compositor é um instrumento de Deus e ele, na verdade, precisa ouvir e sentir aquilo que se esboça em sua mente e, daí sim, transcrever para uma partitura. É um processo que deveria ser muito mais sentimental do que técnico. A técnica se adquire com experiências e aprendizados, o sentimento nunca.
Os anos 90 foram os maiores assassinos da melodia. Os hinos praticamente acabaram, aquelas vozes lacrimosas não mais foram ouvidas. A melodia estava morta. Estamos num início de era, numa renovação de valores. Espero que isso sirva de inspiração para muitos dos leitores desta coluna que, como eu, prezam a boa e velha melodia dos tempos áureos.