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Coluna Made In BraSil: Real Fenômeno

Se você acha que RPM (em 86) e Mamonas Assassinas (95) foram “fenômenos”, volte um pouco no tempo e olhe pra dentro do umbigo. A única banda ou até artista nacional (até porque Roberto Carlos sempre vendeu pra cacete, mas foi regular) que mereça o adjetivo “fenômeno” são os Secos & Molhados. O primeiro disco da banda, de 1973, vendeu mais de um milhão de cópias na época, quando nem o Rei ainda sonhava atingir essa marca. Reza a lenda, que a gravadora Continental teve que parar a produção de vinis de outras bandas para as fábricas terem como suprir a demanda de Secos & Molhados. Isso sim, é Fenômeno (com maiúscula).
 
O que o disco tinha de mais? Uma bela mistura do bom rock com elementos clássicos de MPB (com temática política e boas melodias), folk (a parte de mais sucesso do disco, como “Sangue Latino” e “Rosa de Hiroshima”), blues (em “Primavera Nos Dentes”) e algumas intervenções quase progressivas. Apesar da influência do ritmo que consagrou Yes e Jethro Tull, nada de longas viagens beirando a auto-indulgência: apenas uma canção do disco passa de 3 minutos. Também não se pode deixar nunca, quando se falando de Secos & Molhados, da famigerada maquiagem usada pela banda, e que acabou virando sua grande marca registrada. Na verdade, ela apareceu sem querer, quando Ney Matogrosso foi pintar o rosto e acabou borrando, decidindo entrar com o rosto todo maquiado. É claro que só podia rolar sucesso. E reza a lenda também, que a maquiagem dos brasileiros influenciou de forma decisiva o Kiss.
 
Secos & Molhados (o disco) inicia com seu maior sucesso, “Sangue Latino”. Um canção simples, de apenas dois acordes na maioria da canção, tem levada folk e letra política, sobre as pessoas que tem vergonha de serem latinas. Destaque para o violonista e compositor João Ricardo, o grande maestro do grupo (Ney era a alma). Outro sucesso vem em seguida, e é surpreendente. “O Vira” é um hard rock/heavy metal, coisa impensável na época, em se tratando de Brasil, país que nos anos 70 só “rock” já era palavrão. “O Patrão Nosso de Cada Dia” (que por curiosidade, na versão em cd, tem na introdução inexplicavelmente uma batida a menos no sino do que na versão original em vinil) é delicada, um belo poema musicado por João. A flauta dá um toque todo especial, quase medieval.


“Amor” é mais animada, com coro de todos os integrantes. A minha favorita aqui, particularmente, é a bela “Primavera Nos Dentes”, que resvala maravilhosamente no blues e no jazz. Começa no piano e segue por alguns minutos de belos solos de guitarra do excelente músico de estúdio John Flavin (fera dos 70´s que sumiu), que toda as guitarras do disco todo. Só com 3 minutos entra o vocal. “Assim Assado” segue a linha de “O Vira”, ou seja, guitarras pesadas, mas aqui convivendo com uma flauta quase onipresente. Essa música ainda ganhou um bela versão do Capital Inicial, no esquecido mas ótimo Atrás dos Olhos.


O grande rock n´roll ortodoxo da banda é a clássica “Mulher Barriguda”. Um baita boogie animado, com gaitinha, stoneano fase Beggar´s Banquet até a veia. A bonita “El Rey” é uma parceria entre João Ricardo e o terceiro seco & molhado Gerson Conrad. Uma bela cantiga de apenas um minuto. Bela introdução pro segundo grande sucesso do álbum, “Rosa de Hiroshima”, um maravilhoso poema de Vinícius de Moraes, falando sobre o efeito devastador da segunda guerra, musicado por Gerson de forma brilhante. Apenas um violão dedilhado, flauta e o belo vocal de Ney. Um dos momentos mais emocionantes.
 
“Prece Cósmica” é legal pelo violino que aparece às vezes e os pequenos solos de guitarra. Mas nada fora do normal. Já “Rondó do Capitão” é outra pequena pérola folk de bolso (na linha de “Rosa de Hiroshima”), mas agora com a letra cutucando a ditadura militar vigente da época. “As Andorinhas” também tem apenas um minutinho, letra política e vocal bastante arrastado, você nem nota que a canção já passou. Vai pro encerramento com a balada “Fala”, de formato mais pop. É uma canção que tem potencial pra ser um baita sucesso, mas que ficou meio escondida no fim do disco.
 
Sem dúvida, Secos & Molhados é um dos grandes discos nacionais com anos 70 (outros são Fruto Proibido, Novo Aeon, Construção, A Divina Comédia Ou Ando Meio Desligado, entre outros), e assim como todos esses, é obrigatório. Ainda mais porque em 99 saiu a versão remasterizada em cd, que contém também o segundo (e último com a formação clássica) disco da banda, também chamado Secos & Molhados. Não marque toca e compre logo.
 
Jonas Lopes também escreve o blog Yer Blues (http://yerblues.blogger.com.br)

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