Coluna Made in Brasil: Psicodelia Verde-Amarela
Quem disse que no Brasil não existe música psicodélica? E boa ainda! Entre os inúmeros representantes (como o trio paulista Violeta de Outono), um disco é extremamente especial: é o “maldito” Psicoacústica, do Ira!. Lançado em 1988, o terceiro disco dos paulistanos foi um baita fracasso em se tratando de termos comerciais. Depois de dois discos bem sucedidos (o segundo, Vivendo E Não Aprendendo vendeu 250 mil cópias e teve música na abertura de novela global), a banda entrou no estúdio com ares arrogantes. O resultado foi uma obra-prima, na época extremamente incompreendida, mas atualmente reconhecida com o devido respeito. O que tinha no disco que o diferia tanto? Psicodelia aos montes; inúmeras paredes de guitarras causando efeitos à la Revolver (ouça “And Your Bird Can Sing”); e misturas com samba e hip hop (na época uma heresia, hoje tão natural quanto respirar).
O disco começa com peso. A faixa é “Rubro Zorro”. A letra, baseada no clássico “O Bandido da Luz Vermelha”, de Rogério Sganzerla, é sensacional (até contém samplers do filme). A guitarra do gênio Edgard Scandurra logo vai causando estardalhaço, com boas interrupções e um ótimo solo. Ainda tem alguém que duvida de sua capacidade ilimitada? O segundo rock do disco é “Manhãs de Domingo”, começa com um coro e cai num puta riff. Muito legal os efeitos, com os vocais quase em segundo plano, e a guitarra barulhenta na frente. “Poder, Sorriso, Fama” tem um andamento bem mais moderado. Aqui a guitarra é ainda absurdamente mais instigante. O refrão, apesar de simples, é pra se cantar junto. A canção mais acessível de Psicoacústica é, com certeza, “Receita Pra Se Fazer Um Herói”, um reggaezinho light, reavivada recente no MTV Ao Vivo gravado pela banda. Há também uma história que todo mundo está careca de saber, rolos com problemas autorais, que um soldado amigo do Edgard tinha entregado a letra que na verdade era de um poeta português. Mesmo sendo uma canção num formato mais pop, é de detalhes incríveis.
O Lado B começa com a ultra-lisérgica “Pegue Essa Arma”. Aqui fica fácil perceber porque o disco foi um fracasso de vendas (50 mil cópias): essa foi a canção escolhida para ser trabalhada. É uma das maiores viagens (no bom sentido) do rock brasileiro, perfeita do início ao fim: “Tanta farsa, tanto roubo/e o boy toma Coca-Cola/tiro ianque para cima/me acertou na testa”. “Pegue Essa Arma” só não é melhor que a faixa seguinte, a maravilhosa “Farto do Rock N´Roll”, particularmente minha favorita no álbum. Cantada por Scandurra é um baita hard rock setentista pesadão. Reza a lenda que Edgard escreveu a letra para dar um cutucão em Nasi e André Jung, que na época estavam interessados exclusivamente em hip hop (o vocalista chegava a andar com aqueles enormes sons pré-históricos carregados no ombro).
Essas novas influências aparecem em “Advogado do Diabo”, a faixa mais ousada do disco. É um samba com vocais totalmente rap. Destaque para o pandeiro amplificado e os efeitos de guitarras ao fundo. Sem dúvida a melhor letra de Nasi na carreira da banda. Depois de tantos ritmos não poderia faltar uma boa balada. É a delicada “Mesmo Distante” que fecha o disco. Levada no violão e por uma “guitarra fantasma” zunindo no fundo (como Jesus & Mary Chain). A letra lembra os tempos ingênuos da banda. O destaque final vai para a bela capa, e que na época do vinil vinha com óculos 3D para ser ainda mais admirada.
Psicoacústica foi justamente relançado no ano passado, pela série Warner Arquivos. Não é difícil de encontrar, e ainda rola com um precinho razoável, no máximo 18 reais. Pra quem acha que o rock nacional é pouco ousado e um tanto repetitivo, vale a pena dar uma escutada. Tente não se viciar. É sério.