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Coluna Made in Brasil: Beleza sinfônica

Quebrando o lugar-comum por aqui, agora Made In BraSil fala de um disco ao vivo. Particularmente meu disco ao vivo favorito até hoje. É o pouco ouvido Filmes de Guerra, Canções de Amor, dos subestimados Engenheiros do Hawaii. Depois do extremo sucesso nacional com o disco O Papa É Pop, experimentaram nuances progressivos com os ótimos Várias Variáveis e GLM. Como segue a tradição da banda (um disco ao vivo depois de três de estúdio), era hora de um registro “live”. E o trio Gessinger, Licks e Maltz (a melhor formação até hoje) inovou, com um disco completamente fora dos padrões normais. Das 12 faixas, 4 são inéditas, há 4 canções com orquestra e a deliciosa idéia de não encher só de hits e mudar completamente os arranjos (até porque já tinham outro disco ao vivo, Alívio Imediato, de 1989).
 
A faixa de abertura, “Mapas do Acaso” beira a perfeição. Pouquíssima conhecida até hoje, a canção começa como bossa nova e explode num maravilhoso solo de Augusto Licks (um dos melhores dos anos 80, chegando perto do semi-deus Edgard Scandurra). O arranjo orquestrado dá um tom barroco emocionante. Uma pérola perdida no tempo. A seguir “Além dos Outdoors”, escondida no balaio de sucessos do segundo disco, A Revolta dos Dândis, mas aqui com arranjo bem alterado e um belo solo no final. Continuando a pescar “lados-b”, agora vem “Pra Entender”, do terceiro disco, “Ouça O Que Eu Digo, Não Ouça Ninguém”. Arranjo diferente e econômico (sem baixo e bateria, só as 2 guitarras e a percussão). A segunda inédita é “Quanto Vale A Vida”, que o mago Bob Dylan não teria vergonha de ter composto, bem da sua característica: gaitinha onipresente e letra reflexivas. Destaque para as citações de “Piano Bar” e “Perfeita Simetria”, que levam o público a loucura. “Crônica”, do debut Longe Demais das Capitais ganhou um toque gauchesco, que exalta sua letra quase política. Só então um sucesso, “Pra Ser Sincero”, que ganha um belo acordeão (tocado por Humberto Gessinger) substituindo o piano. Ficou até melhor, menos exagerado, além de um prato cheio pra platéia. A primeira metade acaba com o semi-hit de Várias Variáveis “Muros e Grades”, completamente descontruída: de um rockão com riff poderoso de baixo virou uma bossa nova quase ortodoxa, com um slide barulhento ao fundo.
 
Emendada vem “Alívio Imediato”, em versão um tantinho mais calma do que a original, além da letra quase 100% alterada. A orquestra volta pra rechear a bela “Ando Só”. Emendada vem a melhor do disco, a estupenda e sensacional versão para “Exército de Um Homem Só”, que da original não sobrou muita coisa musicalmente. O que antes era um pop sintetizado sem vergonha virou uma balada emocionada, muitíssimo bem arranjada, capaz de fazer você se arrepiar e derrubar lágrimas nada discretas. As duas últimas inéditas fecham o disco. “Às Vezes Nunca” é jazzística, com participação de Paulo Moura no sax e o mineiro Wagner Tiso. A letra, como característica de Gessinger, é um tanto surreal. No final o que é sofisticado vira pauleira, na única guitarra distorcida do disco. Já “Realidade Virtual” carrega nos backin´ femininos e uma melodia que vai se alterando e uma bela letra. Uma ótima forma de encerrar um disco bastante corajoso.
 
Pra quem interessar, Filmes de Guerra, Canções de Amor acabou de ser relançado em DVD, com algumas inéditas, como a ótima “Até Quando Você Vai Ficar”, do GLM. Pra quem acha que discos ao vivo são uma fórmula desgastada e sem possibilidades de inovação merece ouvir esse disco. É satisfação na certa.
 
Jonas Lopes escreve o blog Yer Blues (http://yerblues.blogger.com.br)

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