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Coluna Feedback: Um artista, muitos shows

Casa lotada, ingressos esgotados, cenário montado, amplas expectativas e enfim o artista sobe ao palco. O que se passará daí em diante é uma lacuna preenchida apenas pela imaginação de ambos: intérprete e público. A verdade é que, minutos antes das “cortinas se abrirem”, ninguém sabe ao certo o que ocorrerá no decorrer das próximas horas.


O que transforma um show musical em momento mágico é um mistério que nem a psicologia conseguiu explicar. Antes de sair para um show, as pessoas costumam passar por um certo “ritual” que consiste em criar e alimentar uma série de expectativas. Se arrumam, gastam com ingressos, escutam as músicas do ídolo com antecedência, lêem críticas e procuram saber se o que vão encontrar vale a pena.


A surpresa pode ser muito positiva ou justamente o contrário, e a situação torna-se ainda mais complicada quando não se trata do primeiro show. Fãs costumam freqüentar espetáculos interessantes de artistas que admiram. Vão e se gostam. voltam. Porém aí é que “reside o perigo”, já que devido aos ensaios, nem sempre um show costuma ser diferente do outro. É fato que um show pode ser um momento surpreendente ou o “ápice” do lugar comum.


Porém nem um grande repertório, a competência dos instrumentistas, nem mesmo a competência da equipe técnica, são suficientes para um grande espetáculo. A emoção do artista é que repercute na qualidade. Todos os fatores acima são anulados por uma performance medíocre do artista principal. Se não há interação, movimentação corporal adequada, ou expressividade de inúmeras formas, o show ganha ares de “reunião de negócios”. Simplesmente não funciona.


A segunda apresentação de Emmerson no Barracústico, há cerca de duas semanas, foi um exemplo de que um bom trabalho do artista no palco é até mesmo capaz de se sobrepor a percalços como serviço de baixa qualidade (fugindo aos padrões da casa) e erros técnicos primários, como microfone baixo. Ao contrário das apresentações padrão, houve ao repertório tradicional o acréscimo de vários covers, que foram desde Tim Maia a Capital Inicial.


Outra que preza pela animação, mais que pelas variações em si, é a “recém-Indie Records” banda capixaba Manimal. Trabalhando numa linha popular jovem, os shows da banda, que não costumam apresentar grandes variações, têm funcionado. Após o lançamento do CD Espírito Congo, o repertório do disco tem sido exaustivamente trabalhado nos shows, embora algumas vezes variações sejam bem-vindas. Numa recente apresentação no mesmo Barracústico (Vila Velha – E.S), o Manimal levou ao palco uma banda de Congo (ritmo tradicional do folclore capixaba), o que gerou um clima de descontração e fez com que, mais uma vez, o público esquecesse alguns deslizes técnicos, como o rasgo de um dos tambores. Apesar dos pesares, o Manimal estava ali de verdade, e em sua essência como poucas vezes, o que fez com que o fato de estar trabalhando em cima das mesmas músicas de sempre passasse despercebido.


Outra capixaba, a cantora Daniela Moraes trabalha com vários estilos. As apresentações ao lado do Marcos Côco e com o grupo “Quarto Crescente”, são primordialmente “MPBísticas”, voltadas para a preferência do público das casas onde as apresentações se dão, em geral casais e pessoas na faixa dos 30. Já os shows solo com sua banda costumam ser mais dançantes, priorizando o repertório pop rock, voltado para o público jovem.


Fernanda Porto, por sua vez, tem trabalhado com dois formatos de show: apresentação solo e com banda. Na primeira toca teclado, percussão acústica e eletrônica, violão e sax. Na segunda, acompanhada da banda toca menos instrumentos, aumenta o repertório e trabalha um pouco melhor a própria performance corporal, que no primeiro formato de apresentação fica em segundo plano. Excelente cantora e instrumentista, em cima do palco, Fernanda não interage. Dança pouco, conversa pouco com o público e em alguns momentos transmite insegurança. Assim como Djavan, que dependendo do “humor do dia”, apresenta espetáculos inesquecíveis ou apenas “cumpre  sua função” de artista contratado. As virtudes musicais superam os eventuais contratempos ocorridos em shows. Portanto, para interagir, basta querer.


No que diz respeito à música clássica, a variação já é um pouco mais complicada. Óperas, ballets e até as “não tão clássicas” peças musicais, são ensaiadas para serem interpretadas da mesma forma, o que faz com que quem assista a “O quebra Nozes” uma vez  tenda a não ver nada muito diferente da segunda, a não ser que o corpo atuante mude. Ou que a diferença seja a carga de sentimentalismo dos artistas e músicos envolvidos em uma apresentação. É isso que faz com que uma apresentação com orquestra ao fundo seja imensamente superior a uma ao som de disco. Embora o segundo seja gravado da melhor forma possível, não permite que a performance apresente nenhum diferencial nem que o público esteja em contato direto com o sentimentalismo da performance musical.


Seja de música popular (com todas as suas variações), ou erudita, é importante que o artista sinta aquilo que passa com a mesma intensidade do público. O aspecto diferencial dos shows dá trabalho para o artista e exige que a banda seja polivalente, porém confere ao show características de momento cheio de magia. É importante que o artista tenha em mente que a vida de cada espectador é feita de momentos únicos, e que se cria a expectativa de que um show possa ser um deles. Essa é a diferença básica entre arte em sua essência e mero entretenimento. A primeira perdura e faz diferença, enquanto o segundo é esquecido em um curto espaço de tempo até mesmo pelo fato de, muitas vezes, não ter valido a pena.

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