Coluna Acordes: Reassumindo seu Devido Lugar
Lançar discos ao vivo continua sendo uma válvula de escape para a crise do mercado musical brasileiro. Eles são mais baratos e têm maior apelo comercial, porque geralmente reúnem os grandes sucessos do artista. O problema é que tende-se a ficar olhando sempre para o próprio umbigo e a música brasileira não evolui, fica dando voltas no mesmo lugar.
A cantora Fafá de Belém é a mais nova adepta do disco ao vivo e lança agora “Piano e Voz”. Embora tenha as limitações impostas pelo próprio formato, o CD convence e reafirma a tendência de Fafá de voltar-se novamente para um repertório mais sofisticado, abandonando as canções de apelo fácil tão presentes em sua carreira. Ela sempre foi uma bela cantora, mas fez discos tão irrelevantes que ofuscavam completamente suas qualidades de intérprete. Aqui e ali, Fafá se permitia respirar, como em “Meu Fado” e “Do Fundo do Meu Coração”, mas a regra eram baboseiras de Michael Sullivan e cia, embaladas em arranjos tão pífios quanto as próprias canções.
Em 2000 Fafá lançou “Maria de Fátima Palha de Figueiredo”, um disco de repertório impecável, que permitia que a cantora Fafá se reencontrasse com o seu melhor. A expectativa de que Fafá retomasse a linha de seu início de carreira – onde fez belos discos, como a estréia em “Tamba Tajá” – se cumpre com “Piano e Voz”. Há ainda escorregões aqui e ali, como “Memórias” (Leonardo) e principalmente “Abandonada” (Michael Sullivan/ Paulo Sérgio Valle), que nem mesmo a versão jazzística consegue disfarçar sua banalidade. Os vários acertos, contudo, fazem valer o trabalho.
O melhor momento do CD é “Quando Eu Estiver Cantando”, uma parceria de Cazuza com o pianista João Rebouças, que toca no disco com Fafá. É uma canção praticamente desconhecida que ganhou um oportuno e emocionado registro da cantora. Outro destaque é “Escândalo” (Caetano Veloso), com uma interpretação forte e passional, bem ao modo de Fafá. Goste-se ou não, ela imprime seu estilo aquilo que canta.
O fado “Nem As Paredes Confesso” (Maximiano de Souza/ Francisco F. Trindade/Artur Ribeiro) desliza macio como um bom vinho do porto na voz de Fafá. As lusitanas “Só à Noitinha” (Frederico Valério/Amadeu do Vale/Raul Ferrão) e “Jardins Proibidos” (Pedro Malaquias/Paulo Gonzo/L. Oliveira) comprovam a riqueza da safra portuguesa. Esta última conta com a participação especial da filha de Fafá, Mariana Mascarenhas, em um belo dueto, que é um dos pontos altos do CD.
Estão presentes também grandes sucessos da carreira de Fafá, como “Foi Assim” (Paulo André/Ruy Barata), “Bilhete” (Ivan Lins/Vitor Martins) e “Coração do Agreste” (Moacyr Luz/Aldir Blanc). As novas versões nada acrescentam ao original e seriam até dispensáveis, mas é o preço que se paga por fazer um disco ao vivo. A redundância é quase sempre convidada de honra neste tipo de projeto.
O formato piano e voz transmite a falsa idéia de um trabalho mais intimista, mas Fafá é passional, derramada, over até. Seus discos, obviamente, são um reflexo dessa personalidade calorosa, o que não é nenhum demérito. Se por um lado canções como “Ave Maria (Jayme Redondo/Vicente Paiva) ganham uma dramaticidade excessiva, “Devolvi” (Adelino Moreira) ou os fados presentes no disco são apresentados sem pudor, com o punhal no peito, como mesmo se autodefine a cantora.
Fafá está cantando melhor justamente porque encontrou um repertório que consegue extrair emoção e verdade da artista. Sua voz tornou-se mais grave, ficou mais forte e encorpada. Os sussurros e exageros que tanto marcaram presença em anos anteriores foram soterrados. O que está em cena é uma cantora madura, intensa, disposta a reencontrar seu lugar de destaque na MPB. Fafá de Belém tem o jogo nas mãos. Que as bolas fora sejam definitivamente parte do passado!