Coluna Acordes: Gal Costa, a dona da voz
O último CD de Gal Costa, “De Tantos Amores”, foi um retorno óbvio e infeliz a alguns clássicos do repertório da cantora, como “Força Estranha” e “Folhetim”. A voz continuava perfeita, mas trazia consigo acompanhantes indesejados, como a burocracia e um certo desânimo. O dever de cantar sobrepunha-se ao prazer. Para piorar, supostamente Gal deu declarações de que não havia novos compositores no Brasil, afirmação que a cantora tratou de rechaçar nas entrevistas de lançamento de “Bossa Tropical”, seu novo trabalho.
Mais desastrado ainda foi o apoio ao senador baiano Antônio Carlos Magalhães – quando de sua cassação no senado – o que causou severas críticas da opinião pública. Definitivamente, a maré não estava favorável a Gal, que resolveu não sair em turnê e não divulgar “De Tantos Amores”. Eis que em 2002 novos ventos sopram nos revoltos cabelos da artista. Após mais de uma década, Gal rompeu contrato com a BMG e saiu em busca de uma gravadora com garra e tesão para firmarem parceria. Enquanto as especulações ainda estavam tomando corpo, Gal surpreendeu e não anunciou somente seu contrato com a Abril Music, mas também um novo CD, gravado em apenas 15 dias.
“Bossa Tropical” é novamente pleno de regravações, mas ao contrário de seu sucessor, transborda alegria, frescor e emoção. Há um ou outro senão, como “Mulher (Sexo Frágil)” (Erasmo Carlos/Narinha), em andamento ralentado, que suprime a graça da canção. “Cada Macaco no seu Galho (Cho Chuá)” (Riachão) é suingada, mas avança pouco além disso.
Já os acertos transbordam no CD. Um dos mais precisos é a economia dos arranjos. No palco, apenas o violão de Luiz Meira, o bandolim e a guitarra baiana de Armandinho, o baixo de Paulo César Barros e a percussão de Marcos Suzano. Quatro excelentes músicos unidos a um instrumento precioso – a voz de Gal – só poderia gerar uma sonoridade sofisticada e vigorosa.
A abertura é de arrepiar. “Socorro” (Arnaldo Antunes/Alice Ruiz) apresenta uma Gal soberba, forte, atribuindo sentido a cada um dos versos desesperados da canção. E ainda ouve quem afirmasse que Gal já não era mais a mesma. Estes sim necessitam de socorro. “Onde Deus Possa Me Ouvir” (Vander Lee), única canção inédita do CD, é primorosa, assim como a interpretação de Gal Costa, emocionada como há algum tempo não se via. “Quando Eu Fecho os Olhos” (Chico César/Carlos Rennó) é outro feliz encontro entre a beleza da voz e dos versos da canção.
Gal Costa consegue revigorar canções deveras conhecidas, como “Desde que o Samba é Samba” (Caetano Veloso) e “Amor em Paz” (Tom Jobim/Vinícius de Moraes), visitando com extrema propriedade regiões mais graves de sua voz. Mas os agudos cristalinos permanecem exuberantes, especialmente em “Ovelha Negra” (Rita Lee) e “Marcianita” (José Imperatore Marcone/Galvarino Villota Alderete).
“Epitáfio” (Sérgio Britto), poderia soar oportunista devido a sua exaustiva execução com os Titãs, mas a canção é verdadeiramente bela, mais ainda na interpretação da cantora. Um passeio por clássicos da língua inglesa é bem sucedido, principalmente “The Fool on The Hill” (John Lennon/Paul McCartney). “As Time Goes By” (Herman Hupfeld), embora óbvia, ganha inusitado toque instrumental de chorinho.
O novo CD de Gal Costa pode ainda não apresentar as novidades que a crítica tem lhe cobrado ou mesmo ter um repertório por vezes acomodado. “Bossa Tropical”, entretanto, é ótimo e comprova que Gal Costa consegue passear magistralmente por todos os gêneros e interpretar velhos e novos com igual talento. Ela revelou que seu próximo projeto é um CD com canções inéditas. Se estiverem à altura das novidades apresentadas em “Bossa Tropical”, Deus e todo o mundo há de ouvir Gal Costa onde quer que ela esteja.
TOQUE
Tribalistas – Trabalho que consolida a parceria de Arnaldo Antunes, Marisa Monte e Carlinhos Brown, é uma prova do talento dos três envolvidos. Virou “moderno” falar mal do projeto, mas o fato é que “Tribalistas” é um belo disco, repleto de canções excelentes, como “Pecado é lhe Deixar de Molho” “Velha Infância”, “Passe em Casa” e, principalmente, “Carnavália”. Os arranjos sutis e a percussão delicada são a base perfeita para a voz de Marisa alçar altos vôos. Há pequenos deslizes, como “Mary Cristo” e “O Amor é Feio”, mas nada que desbote o resultado final.