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Coluna Acordes: De Volta à Estrada

A Bahia é um dos principais ejetores de talentos no cenário musical brasileiro. Nos últimos anos, porém, o berço de Caymmi e dos Doces Bárbaros passou a ser vista unicamente como o celeiro do axé, classificação pejorativa que oculta grandes artistas que continuam a brotar nesta terra fértil, independente do gênero musical, pois, mesmo no axé, surgiram talentos interessantes, como Daniela Mercury e Timbalada, capitaneada por Carlinhos Brown.


Margareth Menezes também faz parte deste movimento e surgiu na época em que o axé ainda era denominado como samba-reggae e dialogava com propriedade com os ritmos africanos, antes da massificação desmedida, que eclodiu no surgimento de um duvidoso pagode baiano, onde os atributos femininos eram exaustivamente louvados de forma grosseira e vulgar. O preço pago pela banalização foi bastante alto e o axé foi praticamente descartado do mercado nacional – resistindo ainda no Nordeste – e a mídia começou a fazer generalizações imprecisas de artistas com trabalhos absolutamente diversos, ainda que confinados a um mesmo rótulo.


Curiosamente, no momento de explosão do axé, Margareth Menezes foi colocada à margem do processo, justamente por não concordar em rebaixar o nível de sua criação. As temáticas e sonoridades africanas foram postas de lado e Margareth começou a ser encarada como uma espécie de “macumba” para turista, que não despertava interesse no próprio mercado local. Foram mais de sete anos sem gravar. Neste ínterim, a artista lançou, com grande sucesso, o bloco “Os Mascarados”, no carnaval de Salvador, conseguindo boa projeção, ancorada em um projeto de qualidade. Para coroar o momento feliz, finalmente Margareth rompe o hiato e lança “Maga AfroPopBrasileiro”, com produção de Carlinhos Brown e Alê Siqueira.


O título do CD é bastante eficaz na ilustração de seu conteúdo, uma mistura azeitada do pop, com forte base percussiva, bebendo na fonte sagrada dos terreiros africanos, mas sem jamais perder a brasilidade. Margareth retoma a linha de seu trabalho, ampliando suas influências e buscando sintonia com a modernidade. O importante é que Margareth não nega suas raízes – o que correria o risco de descaracterização – ela tão somente agrega novas sonoridades.


“Maga AfroPopBrasileiro” reafirma o grande talento de Margareth, dona de um belíssimo timbre e uma voz forte, usada com extrema precisão pela cantora, que jamais se deixa levar por exibicionismos vocais risíveis e gratuitos, tão comuns nos calouros dos programas de televisão. A audição do CD, porém, traz uma certa frustração. A longa espera criou uma expectativa que não foi plenamente contemplada, menos pela cantora do que pelo repertório selecionado.


Cinco composições são de autoria de Margareth e este, definitivamente, não é o forte da artista. Não que as músicas sejam ruins, mas são mornas, não irradiam o intenso calor da cantora. A melhor delas é “Moderninha”, um funk empolgante, com letra bastante criativa. “Preciso” é uma balada agradável, enriquecida pelo arranjo, em especial a presença de gotas d´água. O afoxé “Pelo Mar lhe Mando Flor” tem uma boa letra, bastante superior a sua melodia. Já o funk “Desperta” não consegue fugir dos clichês das canções de temática racial, não acrescentando nada à discussão. “Nego Doce” – em parceria com Carlinhos Brown – tem apenas um esboço de letra, acompanhada de poderosa percussão, com destaque para a presença dos agogôs.


“Dandalunda” (Carlinhos Brown) é a melhor composição do CD, uma contagiante saudação aos orixás. Ainda na bem sucedida ponte África-Bahia, vem “Mamãe Querida” (Humberto do Maracanã). “Do Mar, do Céu, do Campo” é outro achado, resgatando uma canção pouco conhecida do cearense Belchior. Zeca Baleiro presenteou Margareth com “Mãe de Leite”, outro ponto alto do CD. Já Lenine – juntamente com Paulo César Pinheiro – foi apenas correto em “Lua Candeia”, muito aquém de suas maiores criações. Por fim, há “Cai Dentro” (Baden Powell/Paulo César Pinheiro), sucesso de Elis Regina, regravado em parceria com Daniela Mercury e Ivete Sangalo, em um feliz encontro. Margareth Menezes merece todo o sucesso e reconhecimento que suas colegas há muito recebem no Brasil. A hora é essa.


Toque


Mano Borges – “Passagem Franca Pra Caro Custou” – O maranhense Mano Borges há muito brilha em sua terra natal, mas só agora consegue lançar seu primeiro trabalho para todo o Brasil. O conterrâneo Zeca Baleiro endossa a estréia nacional, participando da faixa “Nós”. As composições de Mano são simples e com apelo popular, sem jamais resvalar no banal. Pena que, em alguns momentos, as melodias e as interpretações sejam monocórdias. “Bangladesh” (Marco Antônio), “Essa Dona”, “Você é Tudo”, “Pudera” e “Maranhão Meu Tesouro, Meu Torrão” (Humberto Maracanã) são os destaques.

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