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Artistas nas eleições: o preço da ideologia

   Três de setembro de dois mil e dois. A data acima se torna conotativamente assustadora de quatro em quatro anos, quando 115 milhões de brasileiros se deparam a um mês de tomar uma das decisões mais importantes para todas as áreas de suas vidas. Os poucos minutos passados no “frente a frente” com a urna são democraticamente especiais e, embora apenas uma parcela da sociedade analise assim, são cruciais, não apenas pelos próximos 4, mas por muitos dos anos seguintes.


   Esse é o motivo da angústia. Muitos são os candidatos, os planos, as considerações e análises a serem feitas. E também as mentiras, insultas, baixarias, acusações; não são menores que a enorme desilusão que todo e qualquer brasileiro, marginalizado ou não, traz em relação à sua jovem democracia, que nunca foi completa, ou talvez nunca tenha acontecido no sentido íntegro da palavra.


   Para “auxiliar” o eleitorado nessa difícil escolha, muitos músicos envolvem-se em campanhas políticas, a maioria assegurando estar agindo de acordo com ideologia própria.


   O interessante é que essa nobre postura de dividir com o eleitor sua opção pessoal de voto não é sempre gratuita. Diga-se de passagem, especula-se que custe um pouco mais que o normal. Há quem afirme que bandas aumentam seus cachês em período eleitoral e que o pagamento é adiantado, para evitar eventuais “calotes”.  Além dos comícios gigantescos, as campanhas costumam levar os “personagens do show business” para a televisão. O candidato José Serra, por exemplo, conta em seu programa com nomes milionários como Elba Ramalho, Chitãozinho e Xororó, e os ídolos teen Sandy e Jr e KLB. Bem diferentes em conteúdo artístico, todos tem em comum o indiscutível apelo popular. O KLB pode não ser um primor de afinação, mas garante a presença de alguns milhares nos comícios. O público vai ver KLB e acaba ouvindo José Serra.


   “Vou a comícios para ver os artistas. Não acho que eles trabalhem de graça, mas que gosto de vê-los”, afirma a auxiliar doméstica Palmara Pereira, 42 anos.

   Os eleitores de Ciro Gomes têm a musa Patrícia Pilar e muitos de seus colegas globais. Já Lula tem contado, em comícios, com o apoio de músicos locais como o cantor e compositor Totonho Villeroy (autor de sucessos de Ana Carolina e Maria Bethania) e de músicos conhecidos como intelectuais, como Chico Buarque e Herbert Vianna, que já o mencionou inclusive em uma de suas canções (o sucesso “300 picaretas”). Garotinho aparece menos ao lado de artistas na TV, porém sua estrutura de comício não é diferente das demais, ou seja, também conta com seus próprios chamarizes, principalmente no meio evangélico.

   Quando se mostram ao lado de artistas em geral, políticos, presidenciáveis ou não almejam, além do contato com o público, associar sua imagem à de cultura que os mesmos supostamente representam. Para alguns o efeito é negativo. As estudantes de comunicação Bartira Zanotelli e Samira Moraes acham difícil distinguir o que é feito por crença do que é vendido por “muitos trocados”. Licia Mesquita, universitária de 23 anos, concorda:

   “Acho que a presença de artistas em propagandas políticas só é positiva quando é postura ideológica, mas acho que não é o que acontece na grande maioria dos casos. Há uma intenção de se aproveitar do poder de persuasão do artista”.

   Os depoimentos das estudantes atestam uma dúvida que assola a parte conscientizada da população, e chama a atenção para um difícil estabelecimento de relação coerente entre o dito e feito. É comum ver músicos e bandas que desde a formação se definiram como apartidários, apoiando políticos.

   Para o público fica a árdua tarefa de discernir, além do político sério, o artista que apresenta postura suficientemente íntegra para merecer sua atenção e respeito. Afinal, num mundo assolado por disparidades e atrocidades das proporções das atuais, o papel de quem lida com multidões vai muito além de mero entretenimento.

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