Acordes: Ele merece respeito
O paraibano Chico César despontou no cenário musical em meados dos anos 90 e, de imediato, tornou-se um dos queridinhos da MPB, sendo gravado por algumas das principais intérpretes do Brasil, como Elba Ramalho, Zizi Possi, e Maria Bethânia. “Aos Vivos”, seu primeiro CD, emplacou vários sucessos, como “Templo”, “Mulher Eu Sei” e, sobretudo, “À Primeira Vista” – que ganhou repercussão maior através da versão de Daniela Mercury – e “Mama África”. A voz logo foi comparada a de Caetano Veloso e a aparição posterior de Zeca Baleiro e Lenine – igualmente nordestinos e com uma proposta musical em harmonia com a de Chico César – logo levou a mídia a apontar um suposto ressurgimento da Tropicália, o que causou imediata rejeição aos envolvidos, que recusaram a obrigação de estarem ligados a qualquer escola ou movimento.
Recusando rótulos ou não, o fato é que Chico César sofreu uma superexposição da mídia, tornando-se refém de seu próprio sucesso. Continuou lançando bons trabalhos, como “Cuscuz Clã”, “Beleza Mano” e “Mama Mundi”, mas as pessoas continuavam enxergando-o unicamente como o compositor de “Mama África”, com visual estranho, especialmente seu cabelo, que gerou apelidos nada amistosos, como cabeça de cebola ou de beterraba. O próprio público que antes o seguia, começou a considerar que Chico César tinha se rendido ao mercado e se banalizado. Típico de um país que adora erguer e destruir mitos com espantosa facilidade.
Em resposta àqueles que desrespeitaram sua arte e, até mesmo, sua própria pessoa, Chico César lança seu quinto CD, “Respeitem Meus Cabelos, Brancos” em que põe às claras sua insatisfação e exige ser tratado devidamente. Trata-se de um belo trabalho, o melhor de sua carreira, em que reafirma seu imenso talento como compositor e ainda revela um cantor amadurecido, capaz de moldar sua voz agreste para passear suave pelas baladas ou explodir nas canções em que visita suas raízes.
A faixa título é um empolgante reggae com letra contundente, uma ode à raça negra, da qual Chico é um legítimo representante. O reggae reaparece em “Nas Fronteiras do Mundo”, texto do compositor espanhol Luís Pastor, musicado e versado para o português por Chico César. Irresistível também é “Sem Ganzá não é Coco” – que tem a luxuosa participação de Naná Vasconcelos, na percussão, e do grupo de sopros Metalúrgica Filipéia.
“Antinome” tem a presença de Chico Buarque dividindo os vocais e é uma das mais belas criações de Chico César. As baladas também destacam-se: “Pétala por Pétala” (Chico César/ Vanessa Bumagny) e as duas parcerias com Carlos Rennó, “Quando eu Fecho os Olhos” e “Antes que Amanheça” – gravada por Bethânia em “Maricotinha” – são belíssimas canções que tratam de amor com a dignidade que o assunto merece. “Templo” (Chico César/ Tata Fernandes/ Milton de Biasi) reaparece em versão superior ao original, graças ao magistral arranjo, especialmente a percussão de Guilherme Kastrup e o violino de Alex Braga.
As duas canções que encerram o CD são primorosas. “Teofania” (Chico César/ Bráulio Tavares) possui letra de grande beleza: “quanta solidão e eu não sei/ se homem só suportarei/ um sinal, um não/ e silencie, aqui e além, a dor”. Já “Experiência” (Chico César/ Carlos Rennó) tem na voz de Nina Miranda – do grupo inglês Smoke City – sua jóia maior, devidamente acompanhada pelo arranjo de percussão de Carlinhos Brown. “Respeitem Meus Cabelos, Brancos” peca apenas na insistência de Chico César em fazer jogos de palavras que nem sempre têm um resultado feliz, como em “Flor de Mandacaru” e “Céu Negro”. Nada que empalideça a beleza de um trabalho que pode e deve exigir respeito.