No mundo atual: Novas portas ou webiscates?
Prezado leitor, chegamos ao último encontro desta série de dez, que acabou sendo em onze, onde propus conhecermos, lançarmos um olhar atento sobre o processo pelo qual a profissão de músico trilhou até os nossos dias. Para isso, citei músicos importantes cujas trajetórias são exemplos deste processo, e por isso também, deixei milhares de outros de fora, por não se tratar de uma história dos músicos, mas de uma história da saga dos músicos na conquista de seu espaço na sociedade de sua época, das transformações ocorridas nessa sociedade, nas razões sócio-econômicas e políticas dessas transformações, no inevitável declínio de alguns valores e na aparição de outros, e ainda, precisaria faze-lo sem me estender demasiado, e ainda não estou certo se consegui o meu intento.
Como iniciei estes artigos, no primeiro encontro, preocupa-me muito o fato de a nossa carreira e estabilidade financeira dependerem de aspectos tão fora de nosso controle, de estarmos à mercê de toda maré, e da angústia de não sabermos para que lado remar, e sem nunca saber se o nosso trabalho pode ocupar algum lugar na cena musical, e se pode gerar retorno financeiro, e por quanto tempo podemos nos manter em cena, e que finalmente, não há fórmula para isso. Caramba!
Não há necessidade alguma de descrever os dados atuais, a nossa situação objetiva diante do mercado, da indústria fonográfica e de entretenimento, todos estamos sentindo os seus efeitos, lendo suas notícias, assistindo a tudo. Mas quero, neste último artigo, chamar a atenção para o que pode estar se descortinando diante de nós, e comparar, sempre comparar com o passado, isso, quem sabe, pode servir de plataforma para uma discussão aberta sobre a nossa conjuntura atual, acusar os nossos problemas, e cada um de nós – e caro leitor, este é o meu verdadeiro convite – rompermos qualquer inércia, e darmos os primeiros traços, o esboço, de uma ação artística que possa ser satisfatória, do tamanho que nos for possível realizar, e que mesmo diante de grandes dificuldades, possamos pensar sobre essa realidade e podermos optar, acertadamente ou não, por uma direção. Não podemos é nos conformar com a insuficiência em nossas vidas.
Nos artigos anteriores, reuni dados resumidamente, cobrindo aproximadamente os últimos 800 anos da vida profissional dos músicos, e o leitor poderá concluir o quanto alguns desses aspectos determinaram a direção e a corrente que nos conduziu até aqui. Sem ordem de importância, podemos listar os itens mais determinantes da trajetória da vida profissional:
Os meios de produção e difusão: Conquistas tecnológicas que permitiram a difusão das obras musicais, desde o início da escrita musical, passando pelas tablaturas até o desenvolvimento da escrita como hoje conhecemos, a invenção da imprensa e da tipografia musical, a invenção do disco, o rádio, cinema, TV, a invenção do cd, etc. O desenvolvimento da construção dos instrumentos musicais, das mais toscas flautinhas aos samplers e aos modernos instrumentos acústicos, de autores ou da indústria, e do espaço físico onde essa música será ouvida, desde as naves das igrejas góticas, e do lado de fora, das festas populares nos adros dessas igrejas, passando pelos palácios renascentistas, pelas grandes salas do barroco e pelo teatro de palco italiano (esse que você conhece hoje em dia, em que o palco é uma caixa sem a quarta parede) até aos concertos para grandes massas ao ar livre, possíveis somente a partir das recentes conquistas tecnológicas da amplificação do som.
A organização pessoal e coletiva dos profissionais: Desde a criação das guildas na idade média, das sociedades de concerto, passando pela institucionalização profissional do músico e do compositor, desde os tocadores de trombetas nas torres dos castelos aos compositores das cortes européias e ao músico autônomo. Como o músico se coloca diante da sociedade em que está inserido, como reage e cria suas condições de vida diante do que se oferece como oportunidade profissional. (vide Mozart e Beethoven, o surdinho espertalhão).
A realidade social: É claro que as transformações sociais, o eixo econômico e as conquistas tecnológicas ocorridas geraram as mudanças e o papel do músico em sociedade, a sua linha evolutiva e o pensamento filosófico e artístico a cada instante da história.
Mas em nossos dias, uma revolução está acontecendo, tanto os meios de produção estão muito mais disponíveis, ao nosso alcance, (quantos poderiam gravar um disco em casa há dez anos atrás?) a conjuntura financeira mundial, em suas terríveis contradições, está disponibilizando tecnologia barata como chuchu (comparada com o passado recente) e isso é um importante instrumento para o músico. A internet permitiu-nos colocar nossa produção artística para o público em âmbito mundial a custo praticamente zero, e isso é uma revolução nos meios de produção e difusão sem precedentes. Nunca se ouviu/consumiu tanta música na história do mundo. Mais democrático, só inventando. Mas ainda assim, quase nenhum de nós está confortável ou seguro em suas casas. O que temos aqui e agora?
A internet está sendo erguida tanto por grandes empresas como por iniciativas privadas, por jovens em casa, e essa é a chave através da qual podemos interferir no processo. A mídia capaz de atingir (e dirigir) as grandes massas, mantém-se dentro de um comportamento de ação comercial que lhe permite sustentar-se nessa ordem econômica, e a sua capacidade como instrumento político e da economia não lhe permitiria, em qualquer sistema em operação no mundo, muita independência de ação, como em qualquer empresa, ou em uma quadrilha do submundo. A primeira vez que ouvi falar em independente foi com o primeiro Lp do Boca Livre em 80, e hoje, como nunca, os independentes están poniendo la boca en el trombón.
É evidente, prezado leitor, que os sites que apóiam os independentes na internet não são mídia sequer comparável com o poder de fogo das mídias convencionais, como o rádio e a TV. Não ainda. Já se fala na sobrevivência ou não dos pequenos na internet. Esse processo de aniquilamento da concorrência nós já conhecemos. A grana estabelece uns e desestabiliza aqueles que podem ameaçar, e não se sabe o que virá por aí.
Enquanto a web não oferece grande renda e às vezes nenhuma, principalmente para os jovens webmasters, os independentes estão livres para agir. Em tudo o mais que possa ameaçar, já há um cerco das corporações que detêm o poder de gerar e gerir os produtos vencedores (vendedores) e estas não desejariam perder terreno facilmente.
Mas o que já se construiu não foi apenas para consumo interno, e muita gente está sendo ouvida através de novos meios, e isso era inacessível, impensável há muito pouco tempo. Parcerias estão se amalgamando por aí, entre aqueles que compreenderam que é preciso uma participação de todos os capazes de produzir, é preciso engrossar o caldo, gerar uma demanda, e a corrente não pode fazer nada senão ser começar a fluir. Como todo processo em seu início, nem sequer sabemos o modelo, e às vezes é preciso mergulhar em seu projeto sem qualquer garantia, simplesmente porque não podemos aceitar deixar tudo como está.
Deixo aqui o meu abraço a você, leitor, muito sucesso, e quero deixar todas estas questões aqui abordadas ainda em aberto, para debatermos e as enriquecermos com novas idéias, experiências, lembranças, e desejos.
Felipe Radicetti
P.S. Para quem abraça uma carreira artística à espera de um contrato-padrão de fama e fortuna, o que aqui foi escrito nas últimas 11 semanas, não faz sentido algum e não tem valor de uso. Eu, gosto é de música.
Felipe Radicetti, é músico.
Este foi o último de uma série de 10 artigos publicados semanalmente aqui no MusicaNews, sobre a história profissional dos músicos.