Nivelar por baixo, por quê?
No começo deste ano, quando estava preste a ser prestigiado com o Grammy (concorreu em duas categorias. O cantor Sting foi premiado por melhor performance vocal, com sua música Sobra Rosa), o cantor e compositor Ivan Lins informou em entrevista o motivo de suas músicas não serem tão conhecidas, no seu próprio país, quanto no exterior. Ao contrário do pensamento da maioria das pessoas que gostam de atribuir a proliferação das músicas indigestas unicamente ao gosto precário da população brasileira, Ivan Lins admite que a razão pelo qual é tão ignorado no Brasil é o tratamento dado a compositores de sua estirpe pela mídia. O cantor vai mais longe. Exemplifica sua afirmação, citando a grande popularidade que as músicas de conceituados compositores da MPB alcançam, quando divulgadas nas novelas de grande audiência.
Com tanta aceitação por parte da população, é de se imaginar mesmo que o brasileiro tenha optado por ouvir apenas músicas voláteis. Mas a dedução de Ivan Lins não poderia ser mais procedente. De fato, não só o brasileiro, como grande parte da população mundial não está muito interessada em apenas ouvir canções inovadoras, com arranjos diferentes e letras interessantes. Há sempre aquele grupo (naturalmente bem grande) disposto a ficar horas ouvindo músicas, intolerantes por aqueles consumidores de gosto mais refinado. Natural. Gosto é gosto. A preferência pela música pop não é exclusividade brasileira. Se não, o que dizer de bandas que atingiram grande projeção mundial, mesmo sendo por pouco tempo, como Spice Girls, BackStreet Boys e coisas do gênero?
O problema, no caso do Brasil está muito bem explicitado na declaração de Ivan. Não há espaço para difusão de ritmos e músicas diferentes das que as gravadoras, rádios, e demais partes envolvidas com a grande indústria fonográfica querem. O ouvinte de rádio brasileiro, por exemplo, não conta com emissoras que prezem por uma programação, se não, apenas, culta e inteligente, ao menos, diversificada. Apesar de ser um dever do Estado promover a educação e a cultura através dos meios de comunicação eletrônicos, não se nota preocupação do governo em cumprir uma lei que consta na Constituição Federal de 88.
Aqui em Brasília, por exemplo, a rádio Cultura, que pertence ao Governo do Distrito Federal, sofreu sérias reformas no início do ano. Foi extinto um programa que passava no horário da manhã, no qual o locutor intercalava a leitura e comentário de notícias do dia com músicas da MPB. Também chegou ao fim a execução de músicas de novas bandas de rock, cujo único espaço de divulgação dos seus trabalhos em rádio era aquele. A Rádio Cultura era uma das poucas em Brasília a transmitir o trabalho de cantores e compositores diferentes dos habituais freqüentadores dos Programas da Xuxa, Faustão, Hebe e afins.
A partir da intervenção do atual Governo do DF, a Rádio passou a tocar músicas conhecidíssimas do público amante dos programas de televisão dominicais da TV aberta. A Secretaria de Cultura do DF alegou que a rádio com a programação que tinha, não estava ganhando pontos em audiência e as músicas deveriam ser “mais populares, mais ao gosto do público”. Era de se esperar que a justificativa fosse mesmo essa. Isso, porque provém de um governo altamente populista, fiel ao pensamento de que produtos de qualidade inferior devem ser destinados ao povo.
Na concepção desses governantes, a população de baixa renda não tem condições de consumir algo mais refinado. Ledo engano. Centenas de pessoas fizeram uma manifestação contra as mudanças na rádio Cultura quando as mesmas foram anunciadas. Milhares de e-mails foram enviados aos radialistas que perderam emprego, demonstrando a indignação de muitos brasilienses contra a atitude do governador. E mesmo depois de tanta polêmica e investimentos na rádio, a atual programação não atraiu muitos ouvintes. Cinco meses depois da mudança, a audiência subiu do último lugar para o penúltimo. Muito pouco para quem queria levar a Rádio Cultura ao primeiro lugar, com uma programação musical indigna do nome.