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EiMePegue3: evento realizado no Rio dá o que pensar

O evento Ei Me Pegue 3, realizado há algumas semanas na Casa de Cultura Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, deixa no ar uma série de perguntas, de dúvidas, de coisas que foram esclarecidas, mas que suscitam ainda mais dúvidas. A idéia do evento foi, segundo seu organizador Álvaro de Castro (idealizador do site-gravadora Kviar music), “apresentar e debater assuntos que afetam gravemente o mercado, como a troca de música pela internet”.


As palestras realizadas foram bastante esclarecedoras: falas como as de Álvaro e do produtor-desbravador Mayrton Bahia, chocam pela veracidade. Mayrton, em especial, contou casos da época em que foi trabalhar na antiga Odeon, ainda nos anos 70 , para fazer a técnica de som de discos antigos de Milton Nascimento, 14 Bis e Lô Borges – até se tornar produtor da Legião Urbana, em 1985. “Ouvi de pessoas ligadas ao mercado musical frases como “o brasileiro não tem aparelhagem de som, tem um pedaço de plástico com um prego na ponta” e “som não vende disco” “, contou. Mayrton ainda citou casos como os das antigas gravações de bateria, que se assemelhavam a desconstruções: como não se microfonava bem bateria no Brasil, era comum chamar um músico para tocar apenas bumbo, ou caixa.


Concebido como um festival que girava em torno da música na atualidade, o evento foi mais que isso. Tratou a música como necessidade existencial, algo intensificado a partir dos softwares e sites que permitem ao usuário “baixar” as músicas que deseja pela internet, sem pagar um tostão. A palestra de abertura, dada pela advogada Silvia Gandelman, chocou pela constatação de que o mercado fonográfico brasileiro é quase pirata: mais de 50% dos CDs vendidos no país são conrafeitos, imitações baratas e absurdas dos originais, vendidas em camelôs. E mesmo com os chamados disque-denúncias de CDs falsificados, não se pode fazer grandes coisas. “A polícia entende como sendo piores os crimes contra a pessoa, e falsificar CDs não é entendido como sendo esse tipo de crime. O poder de polícia no Brasil não leva em conta a pirataria”, contou a advogada.


Durante todo o evento, tratou-se de desmistificar a presença das gravadoras no mercado musical – especialmente no último debate, comandado por Dado Villa-Lobos (ex-Legionário que teve sua própria gravadora) e Paulo Henrique Batimarchi (da Apdif, Associação Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos). Dado, que teve CDs de sua falecida gravadora Rock It! pirateados e ainda viu nascer e morrer um site que vendia discos piratas de shows da Legião, deixou pessoas da platéia com a orelha em pé ao afirmar que nunca teve problemas com a EMI, gravadora da Legião. Pessoas como Batimarchi e Carlão, dono da gravadora independente Visom, presente ao evento, afirmaram a importância dos artistas andarem de mãos dadas com as gravadoras no momento de crise. “Geralmente o artista que aparece na TV dizendo “não compre CD falsificado” é visto como vendido, queridinho do dono da gravadora. É uma inversão grande de valores”, disse ele. Álvaro de Castro afirmou que gostaria de ver a campanha contra o CD pirata sendo feita pelos presidentes das gravadoras, ainda que todos concordassem que o carisma dos artistas, nessa hora, fosse algo indispensável.


Anderson, guitarrista do grupo mineiro Verbase, chegou a afirmar mais coisas que transformam esse debate sobre a importância ou desimportância das gravadoras numa verdadeiras guerra de egos: “O cara que compra o CD muitas vezes imagina o dono da gravadora como aquele cara que anda de carro do ano, fuma charuto, etc. E fica revoltado”. Mesmo que preços sucateantes como 36 reais por um CD fabricado no Brasil (Get Ready, CD mais recente do grupo inglês New Order, está sendo vendido por esse preço em pequenas lojas) fossem citados, razões eram colocadas: desde a crise até a alta do dólar, passando pelo pequeno lojista, que precisa ter margem de lucro num produto que é vendido para ele por mais de dez reais e num negócio que envolve alta cobrança de impostos (igualmente sucateantes).


Dispositivo anti-pirataria: Os CDs Longo Caminho, dos Paralamas do Sucesso, e Tribalistas, projeto de Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown, recentemente foram lançados pela EMI com um dispositivo anti-cópia, que serviria para combater a pirataria. Durante todo o evento, o termo pirataria foi bastante citado, por ser uma questão que mexe profundamente com a situação atual do mercado fonográfico brasileiro. Segundo Álvaro, que falou bastante sobre o assunto, a troca de músicas, em sites como o Kazaa (que não têm uma sede definida, dificultando o processo e a prisão de seus idealizadores), ainda é dificultada pelo fato de nem todos os usuários de internet terem conexão a cabo. “Nos EUA, por incrível que pareça, existem mais usuários de internet discada do que usuários de conexão a cabo. Está sendo comum até mesmo a RIAA mandar e-mails às universidades americanas, que têm banda larga, pedindo a elas que façam campanhas com seus alunos, para que eles não troquem MP3 pelos computadores delas”, contou. O próprio sucesso nos EUA da America On Line, que não trabalha com banda larga, teria, segundo ele, a ver com isso.


O dispositivo anti-pirataria, por sua vez, tem apresentado alguns problemas – como pode ser visto inclusive em acontecimento recentes – e o próprio encarecimento dos CDs foi citado em algumas palestras e colocado tanto pelos palestrantes como pelos que estavam assistindo ao evento. De modo geral, a situação atual do mercado fonográfico no que diz respeito à pirataria envolve milhares de pessoas e problemas para resolver, tanto dentro do meio musical (gravadoras, artistas, lojistas, etc) quanto dentro da cabeça do comprador. “Existe um problema cultural no Brasil no que diz respeito à definição de roubo. Quando você entra no supermercado e rouba, sabe que está cometendo um crime, aquilo é configurado como crime. Se vai no camelô e compra o CD, por sua vez, não se sente ladrão. Quando acabar o freguês de CD pirata, acaba a pirataria”, contou a advogada Silvia Gandelman. De modo geral, o preço alto dos CDs foi citado na palestra e colocado, especialmente pelo público presente, como sendo um dos empecilhos à compra de CDs de loja – muito embora todos declarassem que havia interesse em adquirir os CDs com os encartes.


No fim das contas, o evento serviu para arejar cabeças e esclarecer algumas dúvidas. O drama da pirataria, pelo que foi visto, é algo que realmente será difícil de segurar nos próximos anos – mesmo com a questão de numeração de CDs, já que nem é difícil falsificar CDs numerados. No entanto, para quem compra CDs e vê o preço dos discos aumentar a cada mês é custoso saber que hoje em dia, mais do que nunca, disco é um produto, trabalhado com publicidade e sujeito a inúmeros jabás (como o denunciado por Nelson Motta, em recente entrevista ao jornal O Globo, quando se referiu ao “jabá do jabá”: o funcionário que recebe comissões pelos jabás repassados). Isso sem contar as iniciativas dos sites de música – comentadas numa esclarecedora palestra ainda no primeiro dia do evento – que fracassam pela falta de receita, pela ignorância de determinadas pessoas do meio publicitário e até mesmo pela megalomania de algumas empreitadas. Espera-se que os próximos anos sejam melhores em todos os sentidos para quem lida com o mercado, fazendo música, vendendo música, produzindo ou simplesmente comprando discos. De preferência em lojas.

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