Sana Inside » 'Clara Nunes: a luz que faz falta'

Clara Nunes: a luz que faz falta

Fama eles ganharam e são nada mais do que jovens cantoras sem identidade. Artistas? Quem sabe um dia. Em vez de uma escola de músicos, uma fábrica de pequenas estrelas incapazes de refletir um brilho de 15 watts. A grande vencedora, uma moça negra, pobre, com uma voz potente, mas repleta de ornamentos totalmente desnecessários aos ouvidos.


Depois de seguir todos os passos dos professores, a moça é aprovada por um júri “experiente” e pelo aval de um público acostumado à piedade, a Danielas e Ivetes. Não em Elises, Naras e Claras. Esta sim não foi fabricada, esta sim tinha um brilho ofuscante. Aliás, sua história começa numa fábrica e num concurso também.


1959. De origem humilde, Clara trabalhava numa fábrica, quando decidiu participar do concurso A Voz de Ouro ABC. Acabou vencedora da etapa mineira com a música de Vinícius de Moraes, “Serenata do adeus”, e terceiro lugar na final, em São Paulo, interpretando “Só adeus“ (Jair Amorim e Evaldo Gouveia). Com o prêmio no currículo, deu adeus de fato e conseguiu emprego numa rádio de Belo Horizonte, começou a cantar em casas noturnas.


Nos anos 70, abraçou o samba como estilo musical. Clara tinha presença no palco: vestia-se de baiana, colar de miçangas, botava os pés descalços no chão e encarnava o espírito do samba, dos afoxés, a música de terreiro de candomblé, a música do brasileiro. Ao contrário de quem ganha fama, não cantava soul, mas com soul. “Morena de Angola”, de Chico Buarque – feita especialmente pra ela – “O mar serenou”, de Candeia, “Ê baiana” são algumas das canções imortalizadas pela vitalidade e força de Clara Nunes, a filha de todos os santos embora vinda de Paraopeba, Minas Gerais.


Em 74, com a clássica de Caymmi “O que é que a baiana tem” e “Pau-de-arara”,de Guio de Moraes e Luiz Gonzaga – bem antes de Gil gravá-la – o LP “Alvorecer” vendeu cerca de 300 mil cópias, um recorde na época, graças ao sucesso do samba “Conto de Areia” (Romildo/ Toninho).


“É água no mar / é maré cheia ô / mareia ô / mareia”.


No mesmo ano, ao lado de Paulo Gracindo, estrelou o espetáculo “Brasileiro, profissão esperança”, com direção de Bibi Ferreira, interpretando canções de Antonio Maria e Dolores Duran. De chorar de emoção ouvir “Manhã de carnaval” (Antonio Maria e Luis Bonfá) e “A noite do meu bem” (Dolores Duran).


Clara com Gil, com Chico, cantando Guinga, Gonzaguinha, com qualquer um era par perfeito, inclusive seu marido, o compositor Paulo César Pinheiro. Graças ao seu sucesso, as gravadoras passaram a investir em sambistas mulheres como Alcione, que gravou seu primeiro LP em 75 e Beth Carvalho, que entrou para a RCA, em 76. Seus discos seguintes “Claridade”, “Canto das três raças” e ”As forças da natureza” transformaram-na em uma das três rainhas do samba dos anos 80, ao lado de Beth e Alcione, que gravou CD em homenagem à cantora recentemente.


Em 2001, foi homenageada com um musical no Rio de Janeiro e ano que vem fará 20 anos a sua morte. Clara no nome, negra na veia, nasceu cantora. E nunca haverá outra intérprete como ela, assim como não existirá ninguém como Elis. Infelizmente, um erro da vida – um choque anafilático numa operação de varizes – levou-a aos 40 anos de idade para o lado de Elis Regina e Nara Leão. Ainda que existam uma Alcione e uma Beth Carvalho, mas nenhuma delas com a energia dos orixás.

© 2008 Powered by WordPress