Artigo: funk favela, a trilha sonora do descaso
Você já ouviu falar em new funk, electro funk, techno funk, aerofunk, funk melody, funk rasteiro e assim por diante? Pois é… o funk tem mais de 20 diversificações. Nenhuma cultura musical engloba tantas vertentes quanto o funk. E há uma dessas em especial que no momento está de novo alarmando toda sociedade, o funk favela.
Essa variante, que não passa de 5% das categorias, contém letras que relatam os fatos ocorridos dentro das comunidades, que são a realidade desses moradores. Muitas vezes, por não terem uma orientação e condução nas letras, tornam-se apológicas muito mais da realidade que da criminalidade.
Quem conhece a minha história de 22 anos no funk sabe que sou contra qualquer tipo de apologia do crime, mas tenho que dar um desconto, por compreender o grau de instrução e orientação que faltaram a quem a faz, para melhor se comunicar. Talvez, se enquanto menores tivessem a oportunidade de uma educação decente, saberiam se expressar melhor, identificando a linha tênue do limite entre a apologia e o relato. Saberiam até o significado do termo “entrelinha”.
Será que já há alguém pensando que essa voz vinda da favela é responsável pela violência? Se calar essa voz, vai mudar o rumo dos acontecimentos ou amenizá-lo? Esses relatos são muito importantes como estudo pra quem não vive essa realidade. E assim, para buscar soluções sobre os problemas que no futuro poderão atingir a todas as classes da sociedade.
A música é uma amostra do que acontece. A sociedade, na minha opinião, deveria aproveitar as informações que essas músicas estão trazendo lá de dentro, das pessoas e das favelas, e criar um mutirão urgente de invasão à comunidade pela sociedade, mas uma invasão de oportunidades, invasão de perspectivas, invasão de cidadania, antes que essa invasão seja ao inverso, à sociedade pela comunidade, invasão de cobrança da exclusão, da exploração, da extorsão e do descaso. Agir mais do que criticar. E rápido, porque apesar dos problemas que estamos vivendo, a invasão ao inverso por enquanto é só musical.
Ainda que eu não concorde com essas musicas apológicas, o que seria mais lógico? Se indignar com a musica cantada ou com a realidade vivida? Se lavássemos os ouvidos do preconceito e escutássemos essas músicas com a alma, promoveríamos a reintegração desses jovens que hoje não estariam à margem da sociedade, criaríamos pra eles a oportunidade de cidadania. Cada um tem sua própria visão dos problemas que atingem a todos. Mas, muitas vezes, a solução pode estar na visão de quem no dia a dia vive o problema no corpo a corpo, e todos sabem que não é de hoje.
A visão e o parecer do lado de cá nós já temos. E do outro lado? Só em ouvir a voz que sai da favela cantando sua realidade a sociedade fica chocada. Imagina se vivessem lá dentro? Será que eles pensariam da mesma forma? Muitos artistas consagrados da nossa MPB cantaram também nossas realidades, como Bezerra da Silva, Dicró, Chico Buarque, Geraldo Vandré e outros. Cada um relatando os problemas da sua época, da sua maneira e com a sua cultura. Então, também, temos que deixar a favela se expressar, de forma ordenada e orientada, através da sua cultura musical. E nos mostrar o que pensam, passam e como vivem os favelados, antes de exigir deles algo que não lhes demos.
Vamos nos “adentrar” por essas letras e tentar sentir através da música, o que as pessoas vivem na sua realidade. Porque, atrás desse canto que nos alerta pode estar a solução da realidade que nos afeta! Será que essas músicas têm todo esse apelo, por ser voz dos coadjuvantes, e às vezes protagonistas, desse filme real, que nos aflige todos os dias e cada dia mais? Todos deveriam ouvir o funk favela; principalmente as músicas: Meus Direitos, Artista de Sinal, Menino Inocente, Bala Perdida; e todas do garoto Betinho, que era do grupo Força do Rap, e foi assassinado na favela onde morava, no dia de sua folga do trabalho e, até hoje, não deram solução. Ele é o autor dos sucessos Barraco no Morro, Guerreiro, entre outros.
Mas, ouça de ouvidos e mentes abertas. Como se estivesse vendo cenas de uma história verídica, onde a batida do funk não é nada mais nada menos que a trilha sonora desse filme chamado realidade.